Somos Todos Gigantes marcado na pele 

Pai de criança com síndrome raríssima faz tatuagem em homenagem ao movimento; família é de Feira de Santana, na Bahia, e participou pela primeira vez de encontro em 2023

As bagagens de vida de Maysa, Anderson e Malu são cheias de desafios, lutas, transformações e conquistas. A família, de Feira de Santana, na Bahia, viveu momentos dolorosos e de incertezas com a descoberta de uma doença raríssima, a Sponastrime Dysplasia. São 14 casos descobertos no Brasil. Em 2023, os três e outros familiares conseguiram realizar um desejo antigo: participar do Encontro Nacional do Instituto Nacional de Nanismo, que foi realizado em Maceió (AL). A missão foi cumprida com sucesso mas já era eternizada numa tatuagem. 

Foram muitos anos de busca e estudos para chegar ao diagnóstico. A família de Malu, que hoje tem 9 anos, vivenciou muitas incertezas nesse processo de descoberta. “Eu engravidei aos 26 anos. Na ultrassom morfológica do primeiro trimestre, o médico percebeu que Malu era pequena e que a gente precisava aguardar para ver se no decorrer da gestação, a situação mudaria. Alguns médicos diziam que ela poderia crescer de uma hora pra outra e outros diziam que ela seria pequena”, explica Maysa, que passou a gravidez inteira apreensiva e sem respostas definitivas. “Minha obstetra não tinha conhecimento técnico para dar diagnóstico. O osso do nariz era achatado e havia encurtamento do úmero e do fêmur. Fui em vários médicos para ouvir opiniões sobre minha filha. Chegaram a me dizer que ela não sobreviveria e em outras situações de que se tratava de Síndrome de Down”. 

Foram tempos de sofrimento até Malu nascer, em maio de 2014. Foi a pediatra dela que indicou a busca por um geneticista. E aí, mais uma etapa de luta se iniciou. “Na minha cidade não tinha esse profissional e aí fomos para Salvador quando ela ainda tinha poucos dias de vida. Depois de um ano de pesquisas, o geneticista de lá não conseguiu fechar o diagnóstico dela. Só nos deu a certeza de que ela não tinha acondroplasia – o tipo mais comum de nanismo. Fizemos vários testes e exames de sangue, mas não conseguimos respostas. A gente sabia que ela tinha algum tipo de nanismo, mas não sabíamos qual”, relembra a advogada. 

A família saiu de Salvador e foi para São Paulo em busca de respostas. E lá, conheceram o geneticista Wagner Baratela, reconhecido internacionalmente e que passou a estudar o caso de Malu. O médico de Genômica do Laboratório Fleury coletou sangue de Maysa e do marido Anderson para um sequenciamento genético. “Quando Malu tinha cinco anos de idade, o doutor Wagner chegou ao diagnóstico: Síndrome de Sponastrime, que é um tipo raríssimo de nanismo. Nós somos a 14º família no Brasil identificada com a síndrome”, revelou Maysa que não tem casos de nanismo na família.

Existem pouquíssimos artigos sobre a Sponastrime Dysplasia na internet em português. As informações que a família tem sobre a doença foram obtidas por meio do médico. Em uma publicação da National Library of Medicine, traduzida, a displasia da esponastrima é definida como uma displasia espondiloepimetafisária (SEMD) autossômica recessiva nomeada por achados clínicos e radiográficos característicos, incluindo anormalidades na coluna (espondilar), hipoplasia da face média com uma ponte nasal deprimida e estria das metáfises. A doença pode ser confirmada pela sequenciação do gene TONSL

Em todo mundo, a literatura médica contabiliza menos de 100 casos. 

Mudança de vida

Até os cinco anos de vida de Malu, todos os procedimentos, medicamentos e investigações pelo plano de saúde precisaram ser judicializados. Maysa já era advogada da área da saúde quando a filha nasceu e assim que viu dentro de casa as dificuldades de crianças com doenças raras, ela se especializou e passou a atuar nesses casos, além também de crianças com o espectro autista. “Eu costumo dizer que quando Malu nasceu, eu renasci. Eu fui vendo a negligência e abusividade do plano de saúde em negar direitos básicos à minha filha. E não pude ficar inerte”, ressalta a advogada. 

Encontro Nacional

Já era desejo da família que acompanhava o Instituto Nacional de Nanismo e o movimento Somos todos Gigantes, participar dos encontros anuais, mas muitas situações os impediam. “No início, a psicóloga da Malu recomendou que a gente esperasse ela crescer mais um pouco para promover contato maior com outras crianças e pessoas com nanismo. Só foi aos seis anos que Malu foi liberada pela profissional. Mas aí veio a pandemia e vários outros episódios”, conta Maysa. Mas em 2023 deu certo. 

Não só os pais de Malu, mas os padrinhos e os avós também estiveram juntos em Maceió. E pra ela, que hoje tem 9 anos, foi emocionante. “Eu gostei muito. Achei muito legal. Vi muitas crianças pequenas que nem eu. Vi o Gabriel, ‘dono do encontro’. Eu brinquei e até ouvi a palestra do meu médico (Wagner Baratela). E meu médico botou a minha foto no telão. E eu achei muito bom me ver lá”, comemorou Malu. 

Tatuagem

Foi durante o encontro que o pai de Malu, Anderson Guimarães, de 42 anos, acabou se popularizando com a tatuagem que tinha feito do movimento Somos Todos Gigantes. “Eu conheci o nanismo há 9 anos, quando minha filha nasceu. Eu e minha esposa passamos a militar pela causa e, marcar na pele o nome do movimento que luta pelos direitos das pessoas com essa condição, foi uma forma de homenagear a todos”. 

No mesmo braço, Anderson também tatuou o quebra-cabeça símbolo do autismo. A figura representa a complexidade e a diversidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Eu tenho essa tatuagem também porque eu descobri ser um portador de TEA aos meus 42 anos. Eu sempre tive suspeita. É só depois de coragem para investigar e um apoio médico, chegamos a esse diagnóstico. Eu sou uma pessoa muito feliz, que luto pra ver minha filha feliz num mundo que a respeite e respeite a mim também”, enfatizou. 

Para Maysa, crianças e adultos com nanismo, principalmente com tipos raros, enfrentam muitas dificuldades ao buscarem tratamento adequado e ao serem inseridas na sociedade. “Apesar de existirem instituições que lutam conosco, muitas vezes o Estado não adota políticas públicas para que essas pessoas sejam atendidas, sejam respeitadas e sejam tratadas adequadamente. Nos deparamos com muitas dificuldades de vida mesmo. Minha filha tem 9 anos, mas ela vai envelhecer, vai ser madura e vai lidar com um mundo que não é pensado para ela. Precisamos de mais políticas públicas do estado e do município. Precisamos falar mais sobre o nanismo. Com mais conhecimento, a gente entende a dor do outro”, finalizou.

Kamylla Rodrigues

Kamylla Rodrigues é formada em Jornalismo pela Faculdade Alves Faria (ALFA). Já trabalhou em redações como Diário da Manhã e O Hoje, em assessorias de imprensa, sendo uma delas do governador de Goiás, além de telejornais como Band e Record, onde exerce o cargo de repórter atualmente.
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