Preconceito ao Vivo viraliza e Nanismo toma as redes

Era 19 de dezembro e ela estava na rua com a mãe. Tinha acabado de entrar na loja Malta Modas, do Praça Shopping, perto da Praça Saens Peña, na Tijuca (Rio de Janeiro) quando a vendedora, segundo seu relato, se recusou a atendê-la.

“Eu perguntei: ela está falando mesmo de mim? Isso é mesmo comigo? E ela falava para o gerente: ‘Tira esse troço daqui’, referindo-se à minha pessoa. ‘Eu não vou atender isso’. Quando ela virou para o outro lado e me viu novamente, falou: ‘Isso está aqui’?, relembra com tristeza a bancária Viviane de Assis, 38, famosa entre a comunidade com nanismo por mais de 20 anos de destaque na Sapucaí, nove de atuação na Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro (ANAERJ) e uma carreira múltipla de sambista, professora, atriz, modelo e palestrante, essencial para compreender todos os talentos dessa guerreira que conhece várias faces do preconceito no Brasil.

Assista ao vídeo:

Após publicar em suas redes sociais a live no local, sem, no entanto, conseguir filmar a atitude da vendedora Débora deixou a loja e se dirigiu à 19ª DP (Tijuca), onde registrou ocorrência pelo crime de preconceito e injúria – porque difamar a pessoa com deficiência também é injúria, conforme explica Kenia Rio, advogada do caso e presidente da ANAERJ. A pena prevista, em caso de condenação, é de um a três anos de prisão. Os proprietários da loja respondem solidariamente.

Foto do Facebook de Vivi
Foto com a ocorrência, no 19ª DP (Tijuca).

De acordo com entrevistas exclusivas realizadas hoje pela equipe do Somos Todos Gigantes, na próxima semana Viviane vai se dirigir novamente à delegacia, na companhia de Kenia. “Inclusive eu já convoquei a secretária de direitos humanos e o secretário das pessoas com deficiência para acompanhar o caso também”, conta a presidente da ANAERJ, em primeira mão.

Foto Facebook Kenia Rio
Kenia Maria Rio, Rafael Schmitt Meurer, Ana Oliveira e Carina Casuscelli em Oi Futuro Flamengo.

Logo após o ocorrido, os responsáveis pela loja procuraram Viviane e se desculparam. Em entrevista à equipe do EXTRA, site das organizações Globo, Márcia Alves, sócia da Malta Modas ao lado do marido, informou que a funcionária foi demitida assim que os donos tomaram conhecimento da situação.

Foto de Viviane 
Foto da fachada da loja onde Viviane foi constrangida.

“Nós repudiamos totalmente esse comportamento, e a vendedora foi desligada de imediato. Ela havia começado há menos de 15 dias, porque precisávamos de mais uma pessoa nesse período de Natal. Ela ficou muito nervosa quando viu a Viviane, disse que tem até laudo médico atestando que possui uma fobia. Infelizmente, ela precisaria ter me falado isso antes, porque então não pode ser vendedora. Ninguém pode se comportar desse modo. O que eu pude fazer foi procurar a Viviane e me desculpar”, afirmou a proprietária em entrevista ao Extra.

Fobia de Gente Pequena? Isso existe?

Mirella Nery Batista, psicóloga pós-graduada em psicologia jurídica e criminologia, treinada em constelações familiares e organizacionais, Eneagrama e Practitioner em Programação Neurolinguística (PNL) acha que não.

Foto de Divulgação
Mirella Nery palestrando no Altos Papos, evento do Dia das Crianças do Somos Todos Gigantes sobre Bullying.

“Eu desconheço esta fobia. Nunca ouvi falar. Mas acho que nenhum comportamento pode ser justificado em função de uma patologia ou de um distúrbio. A não ser que seja um distúrbio em que a pessoa perdeu a noção da realidade. Por exemplo, um transtorno mental onde a pessoa não entende a realidade. Ela não compreende que o comportamento que ela está tendo prejudica o outro. Do contrário, a pessoa precisa compreender os limites dela e do outro. Agora, neste caso, sinceramente, eu acho muito precipitado falar de fobia”, pontua.

Ela explica que podemos ter um caso ou outro de pessoas com dificuldades, não só com anões, mas com um monte de coisas que não fazem muito sentido. Mas, em sua opinião, dar um nome, um diagnóstico para isso, é temerário.

Dr. Fabio Borges Pessoa, pediatra, especialista em neuropsiquiatria da infância e adolescência, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação Brasileira de Neurologia, Psiquiatria Infantil e Áreas Afins (ABENEPI) explica que não há uma codificação específica para a fobia em relação ao nanismo, mas existem casos que são classificados como “fobia específica”, em que a pessoa tem muito medo, pavor, por exemplo, de insetos, de cachorro, de palhaço, ponte, chuva, etc.

Foto de Divulgação
Dr. Fábio já esteve nas telas do STG.

“Pode ser que alguém, por algum motivo, tenha fobia específica por pessoas com nanismo, mas é importante definir os critérios para o diagnóstico”, reitera Fábio.

Há algum tempo, recebemos um relato no Instagram do Somos Todos Gigantes de uma pessoa agradecida pelo nosso trabalho, contando que se curou de uma fobia com ajuda de terapia e das nossas informações. No entanto, o que nos chamou atenção foi a reação que ela afirmou ter. Acompanhe nas imagens:

“Nós, psicólogos, estamos tentando desconstruir esta ideia de diagnóstico porque muitos comportamentos inadequados se justificam pelas patologias, e a psicologia está tentando trazer uma visão diferente dessa”, fecha a psicóloga sobre o assunto.

O Tamanho da Injustiça

Vivi mede apenas 1,25 mas a estatura do seu sonho nunca coube em medidas. Em 2015, a RioTur mudou as regras do concurso de rainha do carnaval para que ela pudesse disputar: a altura mínima das candidatas, até então, era 1,60m. “Não vale a pena manter essa limitação. O carnaval tem que ser democrático”, disse o secretário de Turismo à época, Antonio Pedro Figueira de Melo, segundo o Blog do Globo.

Foto: Robert Carraco
Foto: Robert Carraco
Viviane de Assis desfilando look de Priscila Pimenta no 2º Congresso de Nanismo.

“Eu não quero medo, eu quero respeito”, desabafou para o jornal O DIA, se mantendo em seu propósito de viver feliz apesar das dificuldades. “Eu sou mulher, negra, tenho nanismo, sou mãe solteira, trabalho e vivo minha vida muito feliz. Tudo isso graças a criação que eu tive, aos meus pais que sempre me criaram com muito amor, muito respeito, me educando para que eu possa respeitar o próximo. Tenho um filho maravilhoso de 16 anos, que é passista, converso muito com ele. Porque quando a gente sai na rua, pessoas olham para mim e ele tem que lidar com isso. E eu tento ensiná-lo a lidar da maneira mais natural possível. Porque pequena, eu sou, mas beleza, gingado, rebolado, simpatia: isso tudo me contempla”, se orgulha a sambista que este ano sai como Musa Destaque na Viradouro, pela décima vez representando a escola de Niterói que desfila no sábado (10/02), terceira agremiação a se apresentar na segunda noite da Série A.

Foto do Facebook de Vivi
“Ela não anda. Ela desfila”.

Vivi também vai desfilar na Embaixadores da Alegria (destaque), na Magnólia Brasil, no Engata no Centro, no Bloco Senta que Eu Empurro (rainha da ala de passista) – que é o bloco dos cadeirantes, e talvez na Rocinha. “Todas elas como destaque, musa e rainha”, se orgulha nossa musa que também tem participação em dois filmes recentes.

Foto do Facebook de Vivi
Foto do Facebook de Vivi
Bloco Senta que Eu Empurro.

Ela participou do longa-metragem “Duas de Mim”, que entrou em cartaz ano passado, e estará em “O Candidato Honesto 2”, que será lançado este ano.

Ibope e o Nanismo

“Eu nunca passei por uma situação tão agressiva de preconceito. Já passei, sim, de sair na rua e as pessoas apontarem, rirem, cutucarem umas às outras… Agora, diretamente, me ofendendo desta maneira, não. Nunca passei. E com certeza a novela tem um pouco de culpa nisso”, explica fazendo referência à novela O Outro Lado do Paraíso, de Walcyr Carrasco na Globo, em que a personagem de Juliana Caldas, Estela, vive recebendo maus tratos, em casa, da própria mãe vivida por Marieta Severo (Sofia).

Foto: Robert Carraco
Foto: Robert Carraco
Viviane e Juliana em momento de descontração no segundo dia do 2º Congresso de Nanismo no Rio.

Viviane conta que a frase usada pela vendedora Débora para ridicularizá-la foi exatamente o texto repetido pela personagem de Severo na trama. Fobia ou não, a impressão que a passista teve ao ser surpreendida com a atitude discriminatória da funcionária da loja foi de que aquele bordão foi repetido de forma pejorativa, em tom de comédia.

“Não só na novela, como em outros programas, como o Pânico, por exemplo… Existia a parte onde os pequenininhos passavam e eles davam um tapa na cabeça deles dizendo: ‘Pedala Robinho’. Ali ficou tipo um bordão estimulando todo mundo que visse alguém com nanismo na rua a fazer aquilo”, critica Viviane e completa: “Infelizmente, eu eu não queria que fosse assim. Eu queria que eles tivessem usando mais ainda o personagem da Juliana Caldas como, por exemplo, mostrar que realmente a pessoa com nanismo passa por dificuldade no meio da rua. Para subir no ônibus, subir numa calçada… Hoje em dia, não mais para usar um orelhão, mas usar uma caixa eletrônica, balcão de loja… Essas dificuldades que nós temos no dia a dia. Mostrar que quem tem nanismo pode trabalhar sim, que pode dirigir sim, que pode namorar, sim! Como até mesmo o Walcyr Carrasco respondeu ao meu vídeo no Instragram dele. Então acho muito importante esse grito que as pessoas com nanismo estão tendo”.

A própria atriz Juliana Caldas também se manifestou em seu perfil pessoal, compartilhando o post do diretor da novela: “Vamos lá!!!! Esse acontecido foi esses dias…esse ano 2017… em pleno século XXI. Tá chocado?

Eu não, porque nós “pequenos” vivemos vendo, ouvindo coisas assim ou parecidas. Eu não sei nem o que dizer sobre essa mulher. Me dá vontade de vomitar só de pensar que a Viviane de Assis passou por isso, mas como a Vivi é uma pessoa diferente dela, não fez escândalo e muito menos ofendeu a vendedora (como a tal fez com a Vivi) a Vivi simplesmente registrou o vídeo pra que todos vejam e fiquem ciente que o PRECONCEITO EXISTE SIM, e ele está deixando de ser velado porque existem pessoas como a Vivi, eu e muitos outros que conhecemos nosso direito e nossas leis (assim como está na foto ao lado do vídeo). A Vivi foi à delegacia e registrou um B.O contra a mulher e a loja, dentro de nossas leis.

EU QUERO QUE TODOS VEJAM A IMAGEM AO LADO E PENSEM MUITO BEM ANTES DE CAÇOAR DE NOSSA DEFICIÊNCIA OU QUALQUER OUTRA, PORQUE NÃO VAMOS FICAR CALADOS. Estamos na luta por nossos direitos e faremos o que é certo, denunciaremos, gritaremos e seguiremos em frente lutando contra o preconceito. Agradeço ao @walcyrcarrasco por publicar esse vídeo, e por contar em sua novela uma realidade que nunca ninguém se interessou a conhecer. Obrigada 🙏🏻 #todospelavivi#chegadepreconceito #CHEGAAAAAA #maisamorporfavor

#Repost @walcyrcarrasco (@get_repost)

・・・

A Viviane passista da Viradouro é anã. Vejam o vídeo que ela postou. Foi maltratada em uma loja! E ser anã não é deficiência Viviane! Por isso toco no assunto em @ooutrooladodoparaiso com Estela vivida por @juzinha.caldas . Dizem que eu exagero no que ela passa. A realidade é mais cruel!! @viviane_de_assis”.

Apesar do apoio à passista em seu Instagram pessoal, Walcyr recebeu algumas críticas à abordagem do nanismo com a personagem Estela (e por ter afirmado que nanismo não é deficiência, conforme mostra o texto anterior repostado por Juliana). Mais de 160 comentários engajaram o vídeo que ele compartilhou do live de Vivi, já com 412.871 visualizações, até o fechamento desta edição.

Entre as críticas à personagem de Juliana Caldas, estão o fato do salto temporal não ter contemplado sua trama, que permanece com as mesmas questões de preconceito da mãe e acessibilidade dentro de casa. Além disso, Estela vive dentro de casa lendo, o que não contempla a expectativa das pessoas para esta personagem que estudou na Europa e poderia estar dando show de profissionalismo.

Mas a maioria massiva dos internautas, principalmente do público com nanismo, questiona o fato de as verdadeiras questões de acessibilidade vividas pelas pessoas com nanismo não terem sido ainda abordadas na trama, conforme afirma Viviane.

Com o objetivo de influenciar positivamente a história de Walcyr Carrasco, publicamos uma enquete semana passada em nosso perfil do Facebook. Se você ainda não deu opinião, vale correr lá e opinar. Nossas vozes serão ouvidas quando o nosso grito for uníssono.

“Meu conselho para quem já passou ou passa por isso é denunciar mesmo. Fazer uma reclamação, ir na delegacia e buscar pelos seus direitos. Não pode deixar impune. Não pode deixar para lá e nem ficar gritando, arranjando briga. Tem que correr atrás dos seus direitos sim”, orienta Viviane de Assis, um exemplo de garra, beleza, força, suingue… Enfim… Um verdadeiro exemplo da mulher brasileira.

Foto: Robert Carraco
Viviane falando para o público no segundo dia do 2º Congresso de Nanismo, no Rio.

Não se esqueça de compartilhar a cobertura completa deste caso que chocou nossa comunidade em todo o Brasil.

com informações de Extra, O Dia e O Globo

Rafaela Toledo

Comentários

4 respostas

  1. Parabéns matéria completa, esclarecedora e bem embasada. Amei; muito importante esclarecimentos assim. Obrigada pela oportunidade de conhecimento. Quando a agressora ela precisa se tratar urgente viver em pleno século xx1 assim é uma lástima.

    1. Muito obrigada pelo carinho. Continue acompanhando as novidades sobre este e outros casos do universo do Nanismo no Brasil, só aqui, no Somos Todos Gigantes.

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