Condição rara, afetou primeiro Ordem dos Amish
A hipoplasia (desenvolvimento defeituoso ou incompleto de tecido ou órgão gerado por diminuição do número de células) da cartilagem do cabelo foi descrita pela primeira vez entre a Velha Ordem Amish – povo católico ortodoxo famosos pela aversão à tecnologia que vive em comunidades nos Estados Unidos e Canadá.
Victor McKusick, seu relator, acabou nomeando o tipo da condição também conhecida como Displasia Metafisária, tipo McKusick.
Embora tenha uma distribuição pan-étnica é uma condição muito rara na população em geral com uma proporção de provavelmente cerca de um para 200.000. É muito mais comum entre os Amish (1/1500) e os finlandeses (1/20.000).
Esta desordem aparece sempre causada por uma irregularidade genética autossômica recessiva. Isto significa que os pais de uma criança afetada geralmente têm uma chance de 25% de que cada criança subsequente seja igualmente afetada.
Ninguém mais na família deve ter o risco aumentado significativamente. Cerca de três a cinco por cento dos indivíduos de famílias com outros parentes afetados têm dissomia uniparental (ocorre quando parte de ou um cromossomo inteiro do mesmo par de homólogos é herdado de somente um genitor) da região do cromossomo nove que abriga o gene envolvido, em que o risco de ocorrência de recorrência é zero.
Provavelmente todos os indivíduos afetados têm alterações no mesmo gene – RMRP. Este gene codifica para um componente do complexo ribossômico e influencia tanto a montagem ribossomal quanto calibra os ciclos de regulação das células dependentes.
Há algumas correlações genótipo-fenótipo, mas isso ainda não é suficientemente preciso para recomendar testes genéticos com esta finalidade.
Mutações no mesmo gene podem causar outras displasias ósseas relacionadas incluindo a displasia metafisária não específica e a displasia anauxética. Testes genéticos são indicados se há incerteza no diagnóstico, se a família está preocupada com o risco de recorrência (avaliação de dissomia uniparental), ou se deseja o diagnóstico pré-natal por meios moleculares.
Embora o seu nome enfatize os efeitos sobre osso e cartilagem no desenvolvimento de cabelo, os problemas mais graves nestes casos estão relacionados com a medula óssea e com a função imune.
O diagnóstico é feito tanto com base em características clínicas (cabelos finos e esparsos, pequena estatura com membros desproporcionalmente curtos, frouxidão de ligamentar e outra observações) quanto pelas características radiológicas como alterações metafisárias mais acentuadas nos joelhos, moderadas nas mãos em forma de cone, assim como encurtamento de seus pequenos ossos.
Confira agora quais as características desta displasia e como os médicos do Clínica Meio-oeste Regional de Displasias Ósseas (Midwest Regional Bone Dysplasia Clinics – MRBDC) da Universidade de Wisconsin sugerem acomopanhamento e tratamento:
a) Expectativa de Vida: Não existem tabelas de expectativa de vida geradas mas é provável que seja, em média, baixa. Duas principais preocupações são relevantes: infecções na infância e malignidade (tendência de algumas doenças de se tornarem relativamente piores e até levarem à morte) na adolescência e na idade adulta jovem.
No entanto, algumas pessoas vivem até a velhice, superando suas limitações como qualquer ser humano sem a condição. É importante, apesar disso, conscientizar pais e equipe médica sobre os riscos para o desenvolvimento das estratégias preventivas mais assertivas.
b) Crescimento: Esta complicação pode iniciar ainda dentro do ventre com pacientes que apresentam retardo do crescimento intrauterino.
Entre o primeiro e segundo anos de vida também há um atraso no crescimento. Não parece haver nenhum crescimento substancial.
Essas características, em conjunto, geralmente resultam em moderada a baixa estatura acentuada.
A altura adulta média é tipicamente por volta de 1,22 metros mas podem atingir até 1,52 metros de altura. A origem desta variabilidade considerável é desconhecida.
Monitorar o crescimento para garantir uma velocidade normal de desenvolvimento ou quase é imprescindível. Nenhum padrão de crescimento específico ao diagnóstico está disponível, como acontece para a maior parte dos tipos de nanismo. Falta documentação para traçar parâmetros.
Como tratamento, o hormônio do crescimento tem sido utilizado ocasionalmente e parece ter um benefício limitado. Alongamento de membros na adolescência é uma alternativa realizada com sucesso em alguns poucos indivíduos afetados.
c) Desenvolvimento: Não há anormalidades reconhecidas no sistema nervoso central. O desenvolvimento cognitivo é normal.
As variações nos padrões de desenvolvimento são de se esperar por causa da baixa estatura, frouxidão ligamentar e complicações ortopédicas.
d) Varo (que se desvia para dentro, em relação ao eixo do corpo): Alterações de alinhamento de perna são comuns. Na maioria das vezes a irregularidade óssea curva a parte inferior das pernas associada com crescimento fibular.
Esta complicação é suficientemente grave para exigir cirurgia em cerca de 15% dos indivíduos afetados. Menos frequentemente, indivíduos com esta desordem têm deformidade em valgo (articulação ou extremidade distal do osso se aproxima da linha média).
A alteração em varo requer monitoramento clínico durante toda a infância e acompanhamento ortopédico se o varo é grave e, particularmente, se resulta em dor, atividade diminuída, assim como resistência ao caminhar.
A cirurgia é apropriada se os resultados de varo tiverem instabilidade, dor não remitente, anormalidade acentuada da correção cirúrgica da marcha ou outros sintomas.
A correção cirúrgica adequada é a osteotomia (cirurgia realizada para corrigir deformidades angulares dos membros inferiores) proximal da tíbia (com fixação interna ou externa).
e) Frouxidão Ligamentar: A maioria das articulações dos indivíduos com esta displasia têm hipermobilidade. Isto é particularmente correto para mãos e pulsos. A única exceção é os cotovelos, em que a limitação de movimento é típica.
A gravidade da frouxidão deve ser avaliada periodicamente. Aqueles com grande instabilidade dos pulsos ou nas articulações intrínsecas da mão podem sentir as funções motoras finas fatigantes.
Se o excesso de fadiga é confirmado, as intervenções a serem consideradas incluem a modificação de atribuições na escola, uso de uma cinta estabilizadora ao fazer tarefas motoras finas e introdução precoce de digitação para substituir a escrita à mão que pode ser uma atividade mais exigente para o portador de hipoplasia da cartilagem do cabelo.
h) Alterações na Espinha Cervical: A instabilidade atlantoaxial (aumento da mobilidade da articulação C1-C2 devido a frouxidão ligamentar alar) é encontrada em uma pequena minoria de indivíduos afetados – certamente menos de 10%.
Radiografias de flexão lateral, neutra e extensão da coluna cervical devem ser obtidas no momento do primeiro diagnóstico, ao ingressar na escola e depois a cada cinco anos até a idade adulta.
Quaisquer sintomas ou sinais de mielopatia cervical (é uma disfunção da medula espinhal cuja patologia se relaciona com isquemia e compressão da medula) devem ser analisados com cuidado em cada avaliação médica e, se há suspeitas de problemas o passo seguinte é a ressonância magnética cervical em multi posições.
Nos raros casos em que a instabilidade sintomática está presente, a fusão cervical é indicada. Este é um procedimento cirúrgico que bloqueia o movimento do pescoço fundindo duas ou mais vértebras. É indicada exatamente para aliviar a dor quando há pressão sobre o nervo ou sobre a medula espinal.
i) Escoliose: Vinte por cento dos indivíduos afetados desenvolvem escoliose. No entanto, só raramente apresentam graus suficientemente graves a ponto de exigir intervenção.
Avaliação clínica para escoliose deve ser feita desde cedo até a maturidade. Se mais do que uma curva trivial for detectada é importante recorrer à avaliação radiológica.
Normalmente não é necessário nenhum tratamento. Curvas maiores que cerca de 25° devem ser avaliadas por um ortopedista pediátrico.
Ocasionalmente alguns indivíduos exigirão órtese e outros raros poderão necessitar de fusão cirúrgica.
j) Alterações nos Cabelos: O cabelo é normalmente tanto muito fino no calibre (resultando em caráter “de seda”) quanto esparso. É geralmente menos pigmentado do que seria de esperar.
Enquanto as características do couro cabeludo são mais frequentemente reconhecidas, os pelos do corpo são também escassos. Menos de 10% dos indivíduos afetados têm o cabelo normal.
O uso de agentes para engrossar e condicionar o cabelo pode surtir efeito positivo. A utilização de uma peruca também pode ser uma alternativa viável dada a necessidade emocional e cosmética.
k) Riscos da Função Imune: Irregularidades da função imunológica estão quase sempre presentes – mais de 95% têm alguma alteração demonstrável em testes laboratoriais – mas em alguns não há manifestações clínicas.
Os padrões mais comum são alterações com base nas células T e disfunção resultante da imunidade celular. Em alguns há também linfopenia – imunodeficiência, ou seja, baixa concentração de linfócitos no sangue (60%) e/ou neutropenia – contagem mais baixa que o normal do tipo de glóbulos brancos denominados neutrófilos.
Diminuição dos níveis de IgG (imunoglobulina G) e IgA (imunoglobulina A) são confirmadas em cerca de 20%. Uma severa imunodeficiência combinada aparece em uma pequena margem de menos do que cinco por cento.
O caráter e a gravidade da imunodeficiência podem mudar ao longo do tempo. Parece que o crescimento dos ossos e a função imunológica são afetados por duas funções diferentes do gene causando esta desordem. Sendo assim, a severidade dos problemas nos ossos não é perfeitamente deduzível da gravidade da disfunção imune.
Todos os indivíduos afetados devem ser encaminhados para um imunologista clínico e avaliados pelo menos anualmente durante os primeiros quatro a seis anos de vida.
Devem também ser avaliados com, pelo menos, CBC (exame onde é realizada contagem sanguínea completa) diferencial, avaliação do subconjunto de células T, teste de estímulo mitógeno (substância que estimula a proliferação celular) e imunoglobulinas quantitativas.
Para aqueles com teste da função imunológica normal ou quase normal, a reavaliação anual após os seis anos de idade é provavelmente desnecessária, e avaliações laboratoriais repetidas só poderão ser concluídas apenas a cada três ou quatro anos.
Tratamento intensivo de infecções é essencial em pessoas com disfunção imunológica. As vacinas vivas, provavelmente, não devem ser administradas (embora no rastreio imunológico com aqueles realmente normais elas sejam provavelmente seguras) mas outras vacinas são seguras e devem ser usadas.
Alguns recomendam rotineiramente o uso de imunoglobulina intravenosa. Outros sugerem que a terapia com antibiótico profilático deve ser usada em pacientes com neutropenia grave.
Nos pacientes com imunodeficiência combinada grave (mas não em geral) o transplante de medula óssea é indicado.
Também deve ser considerado para pessoas com infecções recorrentes graves e para pacientes com aparecimento muito precoce de bronquiectasia (dilatação irreversível de porções brônquicas).
l) Função Imune, as Infecções Graves e Recorrentes: Cerca de 50 a 60% dos indivíduos parecem ser propensos a recorrentes e graves infecções.
Crianças com menos de dois anos de idade apresentam vulnerabilidade especial. Nesses jovens, a pneumonia bacteriana é a principal causa de morte, com a maior parte das ocorrências fatais acontecendo nos primeiros 12 meses de vida.
Aqueles com qualquer disfunção imunológica comprovada devem ser cuidadosamente monitorados se as infecções respiratórias significativas evoluírem. Neste caso, um tratamento agressivo contra infecções é essencial.
m) Problemas com as Funções Imunes e a Varicela: Alguns indivíduos têm susceptibilidade especial à varicela (catapora). Pessoas com hipoplasia da cartilagem do cabelo podem morrer quando infectadas. Comumente, entretanto, tais susceptibilidades especiais podem ser desconhecidas pelos médicos.
As crianças afetadas pela hipoplasia não devem ser vacinadas contra a varicela. A exposição à varicela deve ser evitada tanto quanto possível. Caso ocorra, deve ser administrada imunoglobulina varicela. Caso haja infecção, provavelmente o apropriado seria medicar o paciente com Aciclovir.
n) Doenças Auto Imunes: Pode haver um risco aumentado de alterações autoimunes de todos os tipos, especialmente em adultos com a condição de hipoplasia da cartilagem do cabelo.
Anemia hemolítica (doença na qual o indivíduo adquire ou fabrica, em algum momento da sua vida, um anticorpo que destrói suas próprias hemácias – glóbulos vermelhos) e disfunção da tireoide são recorrentes.
Os médicos responsáveis por adultos com esta condição precisam ter um alto grau de vigilância sobre sinais ou sintomas sugestivos de possíveis doenças autoimunes.
O tratamento clínico indicado é o tradicional.
o) Função Imune e as Bronquiectasias (dilatação irreversível de porções brônquicas): Naqueles com comprometimento significativo da imunidade difusa, a bronquiolite plasmocítica (inflamação dos bronquíolos que são a parte final dos brônquios), e as bronquiectasias progressivas podem se desenvolver.
Todos com uma história de infecções pulmonares de repetição devem realizar teste de função pulmonar começando com cerca de cinco ou sete anos de idade.
Quem desenvolver tosse crônica, dispneia (dificuldade de respirar caracterizada por respiração rápida e curta, geralmente associada a doença cardíaca ou pulmonar) ou outros sintomas preocupantes deve fazer tomografia computadorizada de alta resolução do tórax – exame capaz de confirmar a bronquiectasia.
O tratamento intensivo de infecções pulmonares é essencial em pessoas com disfunção imunológica. Se houver diagnóstico de bronquiectasia ou qualquer suspeita, a ajuda de um pneumologista pediátrico é essencial.
p) Anemia: Cerca de 80% das pessoas com este diagnóstico têm alguma anemia. É tipicamente macrocítica (quando os eritrócitos são maiores do que o tamanho convencional) e portanto facilmente distinguível da anemia por deficiência de ferro.
Clinicamente a anemia significativa ocorre em cerca de 15% dos afetados pela hipoplasia e anemia grave é potencialmente fatal em cerca de cinco por cento.
Quando presente, a anemia grave é normalmente permanente e resulta em dependência de transfusão. Esta deve ser administrada como parte do trabalho imunológico.
Aqueles com anemia clinicamente significativa devem ser encaminhados a um hematologista pediátrico. Quem desenvolver anemia grave vai exigir transfusões periódicas. O transplante de medula óssea também pode ser considerado para a anemia intratável.
q) Malignidade: Risco de vida com malignidade é substancial (provavelmente pelo menos entre 10 e 15%).
Três neoplasias (“novos crescimentos” anormais do tecido que se desenvolve mais rápido que os tecidos normais adjacentes, de uma maneira descoordenada e persistente) representam a maior parte do risco excessivo.
O Linfoma de Hodgkins (câncer na porção do sistema imunológico chamada de sistema linfático), o carcinoma basocelular (tipo de câncer de pele que tem origem nas células basais), e o carcinoma de células escamosas da pele oferecem riscos bastante relevante.
A maioria dos tumores malignos relatados ocorreram em indivíduos jovens com idades entre 15 e 45 anos. Por este motivo, o monitoramento clínico, incluindo exames cuidadosos da pele devem começar no início da adolescência.
Evitar qualquer exposição desnecessária ao sol é imprescindível na prevenção dessas complicações. A gestão do tratamento pode ser definida de acordo com as indicações clínicas padrões, ou seja, da mesma forma de qualquer outro tratamento.
r) Megacólon (também conhecido como Doença de Hirschsprung, a anomalia congênita que tem como característica intrínseca a ausência dos neurônios intramurais dos plexos nervosos parassimpáticos – Meissner e Auerbach – afetando o intestino grosso, em geral, nos seus segmentos mais distais, como o reto e o cólon sigmóide): Esta é uma complicação rara, surgindo em, no máximo, cinco a 10% dos indivíduos afetados. Ela só é relevante na infância e na primeira infância.
O acompanhamento médico deve saber sobre os sintomas gastrointestinais, como a constipação crônica. Mas o tratamento é o mesmo para afetados ou não pela condição.
s) Má Absorção: Uma pequena minoria desconhecida de indivíduos têm má absorção resultando em diarreia crônica e insuficiência de crescimento.
O monitoramento clínico deve ser feito sempre com consciência desta possível complicação.
Fontes: Little People of America (LPA), Academia Americana de Pediatria, Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj), Fundacion Alpes (Espanha), Empresa Brasileira de Comunicação, Portal dos Psicólogos, Universidade de Wisconsin (Estados Unidos da América), Universidade de Campinas (Unicamp), Infoescola, G1, Hospital Sírio Libanês, Grupo de Coluna do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Vila Velha Hospital e Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória do Espírito Santo (EMESCAM), artigos científicos do SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Superinteressante, Site Dr. Dráuzio Varella, Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC), Universidade de São Paulo (USP), Hospital Albert Einstein (da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira), Revista de Atualização Médica (Uol), Liga de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (Portugal), Instituto Latino Americano da Sepse (ILAS), Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI), Michaelis (Dicionário Uol).
Respostas de 3
Rafaela sou fa do seu trabalho. Tenho um filho com displasia óssea, a qual ainda estamos investigando o tipo. Suas publicações tem me ajudado muito.
Obrigada
Fernanda Neves de Oliveira
Brasília
Muito obrigada! É maravilhoso saber que o que fazemos chega até vocês com a nossa real intenção: contribuir para a qualidade de vida das pessoas. Gratidão!
Genteeee que loucura kkk isso realmente funciona 🙂