Dr. Bongiovanni no 3º Congresso de Nanismo

Uma das palestras mais esperadas do 3º Congresso de Nanismo que aconteceu em Goiânia no último final de semana, entre os dias 09 e 11 de novembro, foi a do Dr. José Carlos Bongiovanni. O doutor em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é o nome mais relevante do país quando o assunto é alongamento ósseo porque foi ele quem trouxe a técnica de Ilizarov para o Brasil, método mais estável para o procedimento, reconhecidamente.

Com mais de 30 anos de experiência em alongamento, o médico já alongou mais de 300 segmentos ósseos e carrega o título de Diretor Presidente do Centro Brasileiro de Reconstrução e Alongamento Ósseo (CEBRAO) e fundador da Sociedade Internacional de Alongamento e Reconstrução Óssea.

Fundou e presidiu tanto a ASAMI (Association for the Study and Application of the Methods of Ilizarov) Internacional quanto a brasileira e hoje atua como professor titular da Universidade de Mogi das Cruzes e da Unifesp. Além disso, ele atende no Hospital Israelita Albert Einstein, com ênfase em cirurgia ortopédica, especialidade em Reconstrução e Alongamento de Membros e cirurgia minimamente invasiva (pé).

Palestra Dr. Bongiovanni (10/10)

“O Somos Todos Gigantes é um baluarte do projeto humanístico no assunto Acondroplasia. Eu acho que tem muito o que podemos fazer com todos engajados e com a mesma finalidade. Acredito que tudo é possível”. (José Carlos Bongiovanni, 11/11/18)

“Para mim é uma honra estar aqui neste encontro. Demorou uns 30 e poucos anos… Vou contar um pouquinho só da nossa história… Começamos a ter contato com alongamento ósseo logo no início dos anos 80, com a formação de ortopedista. Nós fazíamos fixadores monoplanares apenas mas tínhamos muita dificuldade.

Para se alongar um centímetro era uma dificuldade terrível porque nós não tínhamos o método. Aí apareceu o professor Ilisarov que viu o que o mundo inteiro não tinha visto, que nós no mundo ocidental não tínhamos visto. O que nós sabíamos é que o osso se consolida com compressão. Mas ele descobriu que os tecidos, inclusive o osso, regeneram em distração (ou seja, em alongamento) desde que você dê condições para isso. Desde que você observe as estruturas que formam o osso e dê estabilidade para que não hajam movimentos anômalos.

Quando eu alongo, tenho que ter movimento só no sentido do eixo do osso.

Normalmente a pessoa de mais idade, como eu, tem tendência de ter valgo ou varo (deformidade óssea para fora do eixo) porque começa a haver desvio do eixo do membro, o que acarreta artrose.

O acondroplásico tem essa deformidade em Varo, principalmente, que vai levar precocemente à incapacidade por dor porque lesa a cartilagem, então osso com osso, ocorre inflamação contínua. Então não adianta ficar tomando anti-inflamatórios porque você tem que resolver a causa e tirar a compressão daquela região.

O que é instabilidade? Por exemplo: você mantendo em Varo, o ligamento fica sempre esticado e afrouxa. Por isso que quando a pessoa anda, fica instável. Quando você corrige, volta novamente a estabilidade.

Tratamento das Deformidade e Discrepâncias dos Membros

Vocês têm que saber que existe possibilidade de melhora. O alongamento não é mágica. É sacrifício. E o indivíduo tem que estar preparado para fazer aquilo.

Porque se eu alongo um membro porque tenho uma discrepância de 5 cm, uma perna maior do que a outra, é muito fácil de fazer. Mas no acondroplásico não adianta alongar 5 cm. O indivíduo vai ter 1,20? Se eu alongo 5 cm não adianta absolutamente nada.

Para o indivíduo de baixa estatura é necessário um programa de alongamento. A pessoa tem que estar preparada e saber pormenores, passo a passo, sobre aquele período de 2/ 3 anos para conseguir os 30/ 40 cm, pelo menos 20 cm de alongamento. Quem é muito baixo e tem dificuldade para dirigir, alcançar um ônibus e etc. pode estar totalmente integrado dentro da sociedade porque o método de Ilizarov deu esta oportunidade.

Estamos falando aqui do fixador circular porque ele é o mais estável. É possível corrigir todas as deformidades com o circular, até rotação. Não que o monoplanar não seja bom. É muito útil também. Por exemplo, no trauma a gente usa praticamente apenas o monoplanar. Mas para coisas menores, com menos deformidades.

Mas para se fazer tratamento como fixador para alongar um membro, tem que ser o circular. Agora também temos a haste intra-modular, que hoje nós não temos ainda aqui no Brasil, a haste com eletromagnetismo. Então é importante saber que o fixador é muito estável. Eu opero e no dia seguinte o paciente sai andando.

Vários fatores fazem parte, como por exemplo, o fator biológico (saúde dos tecidos), fator mecânico (estabilidade do movimento) e função. Porque fomos feitos para andar e caminhar. Se eu fico deitado dois meses, terei atrofia. Carga e movimento estimula periósteo, ou seja, são fatores da consolidação do osso.

O que é possível fazer com o fixador:

  • Principalmente o circular, permite correções e alongamentos dinamicamente (tudo começa quando coloco o fixador) e simultaneamente. Quando um membro é mais curto que o outro, não adianta corrigir a deformidade e não alongar. O fixador permite as duas correções concomitantemente.
  • Geralmente os médicos convencionais optam por paralisar o crescimento da perna boa. Isso pode tirar vários centímetros de crescimento da pessoa que nem sempre é a melhor alternativa para a família. Nós não mexemos no membro são. Tratamos o membro doente.

Tudo depende muito da família. A família tem que estar preparada principalmente quando é uma criança”.

A partir deste momento, a palestra de Dr. Bongiovanni passa a contar com exemplos de pacientes tratados em imagens transmitidas pelos slides no evento.

Você pode assistir à palestra completa em nosso perfil do Youtube:

Continua:

Indicações:

  • Raquitismo: doença metabólica que traz deformidades e baixa estatura.

Assista o exemplo dos pacientes no vídeo.

  • Doenças Endocrinológicas: membros em valgo.

Também é necessário vigília constante. Meu paciente dificilmente fica mais de 15 dias sem que eu o veja. Porque 99% dos obstáculos a gente resolve durante o tratamento. Prevenindo.

  • Artrogripose: doença rara mas muito incapacitante. Em muitos casos são indicadas amputações, por este motivo. Propostas para o tratamento: expectante (não faz nada) ou amputação.
  • Com o fixador: 6 meses de tratamento é possível corrigir.

Muitas vezes coisas que imaginamos impossíveis podem ser realizadas.

Assista o exemplo de Monice no vídeo: Raquitismo e baixa estatura (deformidade membros inferiores). Obs. Monice esteve presente no evento (antes: 1,38m, atualmente com o fixador monoplanar).

Único problema do fixador circular é muito incômodo e em alguns casos pode passar de um ano com o fixador. Eu sempre pensei que a gente poderia fazer algo para melhorar esse efeito tão limitante então na Itália, com a parceria com alguns engenheiros nós dividimos o fixador em quatro partes.

Período inicial: correção das deformidades e alongamento, fixador circular. Após, só preciso para manter. Então desarmo praticamente tudo e ele fica como se fosse o monoplanar porém até mais estável porque os pinos são fixados em planos diferentes.

Estratégias e táticas de alongamento em Acondro e Hipocondroplasia

Estava inclusive conversando com o Baratela sobre o assunto. Eu sou velho, fui até professor dele (risos). Falei: tem que se mudar a classificação porque a classificação entre Acondro e Hipoacondroplásico, tem muitas nuances diferentes, inclusive para tratamento das displasias.

Condições Básicas para o Tratamento do Acondroplásico:

Programa de proporcionalidade corporal pré-estabelecido em, no mínimo, 3 etapas (em torno de 20 cm nos membros).

  • Alongamento das pernas (10 a 12 cm)
  • Alongamento dos braços (8 a 10 cm)
  • Alongamento dos fêmures (8 a 10 cm)

Alongamento não é receita de bolo. Durante o alongamento, qualquer obstáculo pode reduzir o crescimento. É importante alongar e ao mesmo tempo deixar o indivíduo fisiologicamente normal. Esse é o ponto: existem limites.

Melhor idade para início de tratamento:

De 8 a 10 anos dependendo do amadurecimento físico e psicológico. A criança já tem um bom tamanho para ser trabalhada com o fixador, temos o tamanho baby, para crianças menores.

A criança já percebe. Com 7 ou 8 anos, já quer ser tratada. Nessa idade é muito fácil e rápido. Em seis meses já terminou o tratamento enquanto no adulto pode levar até um ano.

Contra-Indicações

  • Obesidade
  • Paciente não cooperante
  • Famílias sem cooperação
  • Depressão Psicológica
  • Problemas Neurológicos

Temos duas psicólogas no grupo para definir quem pode ser tratado. São elas quem dão a palavra final sobre a possibilidade do tratamento.

  • Se tem deformidade, tem que corrigir (corrige e alonga ao mesmo tempo)

Táticas de Alongamento

  • Método Horizontal:

1º Tíbias (pernas)

2º Úmeros (braços)

3º Fêmures (coxas)

Vantagens: melhor simetria final, sem discrepância transitória e possibilidade de abandonar o tratamento em qualquer fase.

Desvantagem: tratar ambos membros inferiores ao mesmo tempo, dificuldade para andar. Inicialmente é difícil mas com treinamento é possível andar.

  • Método Vertical: quando não vou alongar muito e vou corrigir. Paciente fica mais livre mas não posso alongar muito porque podemos comprometer os joelhos.

1º perna e Fêmur

2º perna e Fêmur contra-lateral

3º Úmero (eventualmente)

Vantagens: paciente fica com um membro inferior livre do aparelho, facilidade para andar.

Desvantagens: Menos alongamento possível, grande discrepância, mais riscos de problemas articulares e neurovasculares.

  • Método Cruzado: Misturando ambos

Após Consolidação:

  • Remoção do Fixador
  • Aplicação de Brace
  • Reabilitação

Vantagens:

  • Método minimamente invasivo
  • Possibilidade de mobilidade, apoio e marcha imediata
  • Alongamento ósseo junto com correção de deformidade com possibilidade de ajustes do eixo concomitantemente em ambulatório.
  • Retorno às atividades anteriores.

Desvantagens:

  • Método de exceção (curva de aprendizado). Hoje no Brasil temos vários centro que fazem este tipo de tratamento.
  • Importante preparo e aceitação do paciente (Preparo Psicológico).
  • Necessidade de equipe multidisciplinar
  • Reabilitação imprescindível
  • Complicações inerentes ao método

Qual o limite do alongamento ósseo?

Não tem limite. Muitas vezes o alongamento não é o principal. O principal é a correção da deformidade. Alongamento nós conseguimos resolver, às vezes, sem cirurgia.

Conclusão:

Após uma longa experiência de 30 anos em alongamento de membros, consideramos o alongamento em acondroplásico um procedimento efetivo para melhorar a qualidade de vida da pessoa, sendo necessária uma programação de alongamento entre 20 e 40 centímetros dos membros inferiores e de 8 a 10 centímetros dos membros superiores.

O objetivo é transformar a pessoa de baixa estatura em uma pessoa de estatura média, reintegrando-o à sociedade”.

Ao final do painel, o médico apresentou o caso da menina que conseguiu alongar 44 cm. Fátima Carolina da Cruz Arruda, 27, estava presente no evento e concedeu entrevista exclusiva para o STG.

Ela passou por cinco tratamentos cirúrgicos com correção de deformidades. Ela conta que cresceu entre 44 e 48 cm. “Porque tem alguns centímetros que ficam aí perdidos (risos). Eu comecei a alongar com 7 anos e tirei meu último aparelho com 22 anos”, diz Fátima.

A cirurgia de alongamento ósseo exige muito do paciente e há muita dúvida sobre a quantidade de dor e as vantagens do tratamento, partindo do aspecto custo benefício. Quando questionada sobre sua escolha, se compensou ou não em sua vida prática, ela responde:

“Eu faria tudo de novo. Nada paga a independência que eu tenho hoje. Eu amei vim para o Congresso, trocar experiências, foi essencial para mim, para eu enxergar que eu posso ajudar mais e também aprender mais. E o que eu aprendi é que antes de tudo, você deve se sentir bem consigo mesma. Independente de cirurgia ou não, o importante é você estar bem consigo mesma e enfrentar junto com a família, os amigos, e quem estiver do lado, o mundo, a sociedade ainda não adaptada para as diferenças”, finaliza Fátima.

Foto: Fasam
Fátima com seus 44 cm de alongamento.

“Comecei a tratar a Fátima com 7 anos (Perna: 14 cm/ Braços: 7,50 cm). Ela tinha desproporcionalidade. Tínhamos alongado uns 22 cm na primeira etapa mas chegamos a um alongamento final de 44 cm. (Membros inferiores: 44cm/ Membros superiores, 7,5 cm). Ela terminou com altura final de 1.62 m”, completa Dr. Bongiovanni.

De 1989 a 2015 63 pacientes (seguidos) e 314 segmentos alongados foram tratados pela equipe do médico. Em entrevista também exclusiva à equipe do STG, o ortopedista que foi responsável pelo alongamento ósseo do nosso youtuber Gabriel fez uma avaliação de sua participação no evento:

“Foi muito proveitoso, é uma honra para nós estarmos aqui. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas em nosso país, tenho impressão de que as coisas vão melhorar em todos os sentidos mas principalmente na saúde e esta é nossa esperança. Com respeito ao evento daqui, foi maravilhoso, muito proveitoso, e uma satisfação muito grande conviver e sentir de perto toda essa vida acarretada pelo nanismo e toda esta euforia dessas crianças maravilhosas. Penso que poderemos reintegrá-las à sociedade, não apenas na minha área de ortopedia, mas em todos os aspectos. Quero voltar outras vezes”.

Foto de Divulgação
Dr. Paulo Miras e Dr. José Carlos Bongiovanni confraternizando com as crianças no Encontro STG.

Já estamos te esperando e idealizando nosso próximo encontro, Dr. Bongiovanni. Fiquem atento(a)s porque as próximas postagens serão recheadas de conteúdo especial do 3º Congresso Nacional de Nanismo, que você só encontra por aqui.

Rafaela Toledo

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