Carta prepara escola para receber Gigantes

Quem não se lembra do primeiro dia de aula? É um momento de ansiedade, expectativa e medo para todos nós. Quando o tão esperado dia envolve uma criança com Nanismo, o número de dúvidas e preocupações pode ser ainda maior.

Pensando nisso, Kenia Maria Rio, advogada e presidente da Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro (ANAERJ) tomou a iniciativa e criou uma carta onde ela apresenta o neto Bernard à sua nova escolinha, sugerindo os cuidados devidos e apresentando o assunto do Nanismo à instituição de ensino.

Como funcionou muito bem em sua família, ela resolveu compartilhar nas redes sociais, disponibilizando seu email para os interessados solicitarem cópias da carta.

“Mandei para o colégio do Bernard, orientando eles como proceder com meu neto. Lá, os professores me agradeceram muito. Disseram que foi de grande ajuda para eles porque muita coisa, desconheciam. Então eu resolvi compartilhar isso”, explica a advogada.

Ela conta que a ideia de fazer a carta para o ingresso do neto na escola surgiu quando foi para o Congresso Mundial de Acondroplasia, em 3 de dezembro de 2017, em Múrcia, Espanha. “Eu vi que eles lá se preocupam muito com os primeiros anos da criança na escola”, esclarece.

Grandes Ideias. Atitudes Gigantes

O assunto havia sido levantado durante o 2º Congresso de Nanismo, realizado em outubro de 2017, durante um bate-papo entre Juliana Yamin, empresária e patrocinadora do Somos Todos Gigantes, e Flávia Hoffmann, ambas mães exemplares de lindos gigantes, cheias de experiência e sugestões para compartilhar.

Foto de Divulgação
Foto: Rafaela Toledo
Juliana Yamin e Flávia Hoffmann no 2º Congresso de Nanismo

Coincidentemente, tanto as futuras ações do STG (criação de um kit multimídia para apresentação do Nanismo nas escolas), quanto o projeto Cartilha Escola para Todos (Nanismo), apresentado por Flávia na ocasião do Congresso; lidam com a adaptação das crianças e dos colégios nos primeiros dias de aula.

Leia sobre o encontro delas abaixo:

STG no 2º Congresso de Nanismo

Agora leia a carta de Kenia Rio, copie, se inspire. Enfim, sinta-se livre para usar como precisar:

 

Estimados Professores e Técnicos de apoio educativo do aluno(a)………

 

……….. tem uma patologia de crescimento designada Acondroplasia. É uma doença rara que surge por uma mutação genética e que provoca uma Variante de nanismo desproporcional. A acondroplasia é pouco conhecida, tanto do ponto clínico como do ponto de vista social. Por este motivo, reunimos as seguintes informações e conselhos de forma a enquadrar e responder a muitas das perguntas que possam ter, assim como dúvidas dos alunos.

As crianças, tanto na escola como em casa, provavelmente terão curiosidade em perceber porque …… é diferente deles. E com este pequeno guia, esperámos dar-vos bases para quando vos forem feitas perguntas ou comentários sobre a sua estatura , possam esclarecer essas pessoas, de forma aberta, direta e honesta.

A acondroplasia é a forma mais comum de nanismo. A mutação ocorre pela troca de um único aminoácido por outro, ao nível do cromossoma 4, mas produz alterações profundas no desenvolvimento do esqueleto. Caracteriza-se pelo encurtamento dos ossos longos das pernas e braços, sendo que a

coluna vertebral mantém-se dentro do crescimento médio. Esta dissonância entre membros e coluna, provoca um crescimento corporal desproporcional. A mutação na acondroplasia altera o gene que produz o receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos nos condrócitos, as células que constituem a cartilagem e as placas de crescimento dos ossos longos. A cartilagem sofre uma redução intensa de espessura e o osso, que se forma pela substituição de condrócitos por osteócitos, impede que ocorra um crescimento ósseo saudável. As pessoas com acondroplasia tem um tronco de tamanho médio, pernas e braços curtos, cabeça grande, além de outras características físicas…

A mutação genética da acondroplasia foi descoberta em 1996 e os avanços na investigação são cada vez mais animadores. Muitas equipes de investigação espalhada pelo mundo estão a trabalhar para a possibilidade de conseguirem um tratamento eficaz e real.

Há cerca de 460 diferentes tipos de nanismo congénito descritos. A acondroplasia tem uma prevalência média mundial de 1 caso em cada 20.000 nascimentos e em 80% dos casos, é uma mutação de novo, que surge espontaneamente numa das células reprodutivas de um dos progenitores. E como é uma mutação dominante, é sempre manifestada.

Os adultos com acondroplasia têm em média entre 1,20m e 1,35m de altura. É possível aumentar a estatura definitiva através de um processo cirúrgico de alongamento ósseo, que consiste em cortar os ossos longos e aplicar fixadores externos durante o processo, que é lento e doloroso. As crianças podem ser tratadas cirurgicamente entre 10 e 12 anos e podem crescer até 30 centímetros. Neste momento, é o único método disponível para ossos em crescimento. Há patologias hormonais de crescimento que são tratadas com medicamentos (por exemplo, nanismo hipofisário), mas não têm eficácia na acondroplasia.

A esperança de vida e QI de pessoas com acondroplasia são as mesmas que as de pessoas de estatura média, embora as crianças com esta condição genética, muitas vezes têm atrasos no desenvolvimento motor, especialmente os lactentes devido à desproporção mais acentuada no seu corpo. Ao longo da vida, a acondroplasia potencia um elevado número de patologias, tais como otites crónicas, patologias neurológicas, problemas de coluna, encurvamento das pernas, apneia do sono … mas a qualidade de vida das crianças pode ser melhorada com um seguimento médico próximo e adequado.

Do ponto de vista social, as pessoas com acondroplasia têm de enfrentar uma série de clichês e preconceitos culturais e históricos, que prevalecem até hoje. Parece existir um halo “cómico” e “circense” em torno das pessoas acondroplásicas, que pode ser doloroso e levantar sérios problemas de adaptação social. A escola, como local de aprendizagem, tem o dever de assentar os seus princípios de formação na consciência ética e ensinar as crianças, desde o primeiro momento, a desenvolver um sentimento de respeito e tolerância para com todas as pessoas, semelhantes ou diferentes delas. As seguintes reflexões irão facilitar a adaptação de todos.

A palavra “anão” embora seja o termo mais vulgar, tem uma várias conotações negativas. Existem outros termos que são menos pejorativos, tais como: “pessoa com nanismo”, “pessoa com restrição de crescimento”, “pessoa com acondroplasia” ou “acondroplásico”.

Os adultos tendem a sobre proteger e a tratar como bebés as crianças que parecem mais pequenas e em muitas ocasiões, são menos exigentes com elas que com outras crianças da mesma idade.

Para os adultos, uma criança com estatura muito abaixo da média, comporta-se de forma mais próxima à idade que aparenta do que à idade que realmente tem e age como se fosse menor, porque é uma boa maneira de evitar brigas e responsabilidades e receber mais atenção. Este comportamento a longo prazo, pode causar grandes problemas no seu desenvolvimento: falta de assertividade, dependência dos pais, uma imagem negativa de si mesmo .

O nosso filho poderá requer atenção de saúde, mas não pedimos um tratamento especial. Gostaríamos que seja tratado por todos, e de forma consistente, de acordo com sua idade e não com a sua altura. Os professores e os pais devem estar cientes do efeito que a estatura do ……….. pode ter nas suas relações sociais e devem evitar que se torne na mascote da turma ou que as suas expectativas sejam mais baixas.

Em geral, e também como resumo, desejámos que possam seguir com os seguintes pontos no trato com ………..

Explicar e ensinar às outras crianças que o novo colega tema idade deles e por isso, devem tratá -lo a de acordo com sua idade e não de com a altura.

Deixe que ………… faça por si mesmo tantas coisas quantas possível. Devemos encorajá-lo ser completamente independente. Muitas vezes terá de encontrar uma maneira criativa para chegar a algum lugar ou para fazer alguma tarefa. Pode ser tão simples como empurrar uma caixa e transformá-la num degrau. É importante que faça estas coisas sem ajuda. Incentive também as outras crianças a deixar ……….. fazer as coisas sozinho; eles irão sempre tentar ajudar e podem não perceber que isso pode limitar o desenvolvimento daquela criança.

Não deixem que as outras crianças levantem ………….. no ar. Por ser uma brincadeira frequente, muitas vezes, porque as crianças se sentem animadas por conseguir segurar num colega tão pequeno e da mesma idade. Isso vai dar-lhe um estado de “bebê” e pode ser perigoso: as crianças com acondroplasia podem-se lesionar na coluna vertebral mais facilmente do que outras crianças e podem magoar-se e cair.

Se colocarem as crianças em fila para subir ou descer escadas, evitem que …………….. vá à frente. As escadas são altas para as suas pernas e demoram mais tempo para subir e descer. As outras crianças podem empurrá-lo e pode magoar-se.

As crianças com acondroplasia transpiram mais do que outros meninos e precisam de eliminar o calor corporal, têm mais necessidade de beber água

………….. provavelmente demorará mais tempo para se despir e ir ao banheiro.

Como os seus membros são mais curtos e a cabeça é grande e pesada, caem muitas vezes. Se caírem de costas ou baterem com a cabeça, contatem-nos.

As crianças com restrição de crescimento têm tendência a ter problemas de obesidade, por isso é importante que desce cedo adquiram bons hábitos alimentares; embora as crianças sejam mais ativas e necessitem de mais calorias, a quantidade que …………precisa para o seu desenvolvimento físico é menor do que para meninos da sua idade.

Pedimos que observem se ……….. precisa de ajuda para fazer coisas que as crianças da sua idade fazem de forma independente; em atividades físicas, num jogo desportivo ou num trabalho na classe, que estejam restritos a ele/a devido à sua estatura, ou se o seu campo visual dentro da sala de aula é apropriado. Alguns problemas são fáceis de resolver com uma caixa resistente, tabuleiros ou escadote. Existem obstáculos físicos, mesmo não significativos, podem ser superados com um pouco de engenhos e capacidade de recursos.

Qualquer criança precisa se sentir segura nos lugares onde passa o tempo, se é em casa, como no jardim de infância, na escola e por último, o mundo exterior. Se surgirem ataques ou ofensas verbais que vão além do que é usual nas crianças familiarizadas com a condição de …………… ,os professores ou adultos responsáveis devem ser informados; a supervisão de um adulto pode travar as brigas e ofensas antes que se tornem grandes.

Se durante as atividades de leitura, surgir algum texto com referência a “anão” ou “anões” pedimos cuidado para que isso não seja motivo de riso ou ridicularizarão e que haja uma identificação entre ………….. e a personagem da história.

Se presenciarem grandes conversas entre as crianças e …………… , é bastante frequente que estas crianças tentem desenvolver, como um mecanismo de compensação, relações estreitas com os seus amigos e uma vertente social que é mais importante para eles do que a pedagógica.

Acreditámos que seria altamente desejável que, antes de ……….. iniciar as aulas, seja dada uma curta sessão de esclarecimento em todas as salas de aula. Podem explicar que novo colega tem um problema de crescimentos desde que nasceu e que o faz crescer muito menos do que as outras crianças.

Digam- lhes que é uma criança tal como eles, que nasceu com esta limitação física, e tal como há crianças que nascem sem ouvir (chamado de “surdo”) ou sem ver (chamado de “cego”).Expliquem, resumidamente, o que significa ter uma incapacidade.

Que este menino não “está doente”: tem uma altura diferente das deles, mas é como eles em tudo o resto. Acreditámos que esses esclarecimentos podem evitar um choque repentino ou problemas que possam surgir e que podem ser prevenidos de forma pacífica.

A sociedade tende a julgar as pessoas pela sua aparência física e ao não encaixarem aos padrões culturais do que é bom ou mau, do que é bonito ou feio, pode ser muito doloroso para quem não se enquadra nos padrões. Ensinar as crianças a serem conscientes dos valores morais e sociais mais

importantes, como a honestidade, coragem, amizade e bondade, é enriquecedor, não só para as crianças diferentes, mas para todas as crianças.

Incentivá-los a desenvolver os seus talentos em diversas áreas, perceber em que atividades se destacam, dizer-lhes que todas as pessoas podem fazer algo pelos outros, é tão importante quanto ensinar português ou matemática. Incentivar a autoestima, a avaliação realista das suas capacidades, contribuir para o desenvolvimento de adultos independentes e adaptados é uma tarefa conseguida através da atenção a um conjunto de detalhes, assente em trabalho constante. Talvez pareça uma tarefa maior do que a possível de executar, mas todos podemos ajudar mudar o mundo.

Para uma pessoa distinta, com o seu mundo emocional a desenvolver-se, ser apontada e excluída por ser única, pode ter repercussões complicadas. Ajudar a mudar o mundo começa ao virar da esquina, no parque infantil, na sala de aula, é agir no mundo. É o começo!

Agradecemos profundamente o vosso apoio, afeto e vontade de cooperação para que os pequenos momentos e atos cotidianos em que ensinarem as nossas crianças, elas possam crescer melhores seres humanos.

 

                        Atenciosamente

 

                        KENIA RIO

 

Compartilhe. Muita gente pode se beneficiar quando apenas uma pessoa decide se doar.

Rafaela Toledo

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