Rótulos

Até onde vai o papel da imprensa e dos meios de comunicação no combate ao preconceito? Mãe de Leda, uma linda adolescente que cursa Publicidade e Marketing na University of South Florida e também segue os passos da mãe rumo ao jornalismo, Virgínia procura exatamente debater o papel dos formadores de opinião na desconsideração do termo anão para emprego de semânticas negativas ou pejorativas.

Leia agora esta reflexão compartilhada pela jornalista com os leitores do Somos Todos Gigantes:

Foto de Divulgação
Foto tirada pela filha Leda.

“Na última terça-feira, dia 19, uma matéria de cunho político, publicada pelo site de notícias “O Antagonista”, me chamou atenção pelo título: “Demita o anão”. Ao ler o texto comprovei o que temia: mais uma vez a imprensa, formadora de opinião, continuava fomentando o preconceito por meio de rótulos. Para falar sobre a saída do ex-ministro da Secretaria-Geral do governo, Gustavo Bebianno, o jornalista do Antagonista usou o termo “anão” de forma genérica, com a intenção de se referir a alguém que vive embaixo da mesa do Presidente da República, faz fofoca e vaza informação para a imprensa.

Este é apenas um dos inúmeros exemplos de fatos e notícias que ainda associam as pessoas de baixa estatura a acontecimentos negativos, caracterizando-os de forma pejorativa, como seres inferiores. Colocar o título “Demita o anão”, pode? Se fosse “Demita o negro  ou o LGBT” não pode, mas anão passa batido. Isso mostra que ainda é preciso mais conscientização. Que assim como avançamos na luta contra o preconceito contra os negros, os portadores de síndrome de down e a população LGBT, é preciso tomar cuidado para não disseminarmos mais intolerância com as diferenças de todos os tipos.

Já faz tempo que tento ignorar tais fatos e seguir em frente, mas se eu nunca me pronunciar, como poderei desejar que alguma mudança aconteça? Acredito que a minha opinião, de cidadã e mãe de uma menina com nanismo, embora represente um trabalho de formiguinha, pode fazer as pessoas a terem sim um olhar mais justo para  aqueles ainda não são vistos com o respeito que merecem.

Foto de Divulgação
Virgínia e Leda, mãe e filha trabalhando com jornalismo.

A luta contra o preconceito enfrentado pelos negros, LGBT’s e portadores de síndrome de down conquistou avanços importantes e hoje não é tão comum vermos piadinhas e comparações pejorativas. O mesmo não se pode dizer com os nossos pequenos, ainda motivos de chacota, risos escancarados e desmerecimento pelo tamanho.

Mas voltando ao tema dos rótulos, faço um parênteses aqui para lembrar a ilustre Lizzie Velasquez,  rotulada a mulher mais feia do mundo, em um vídeo com mais de 4 milhões de acessos. Embora arrasada, ela decidiu que esse rótulo não definiria quem ela seria. Seguindo os conselhos de seus pais, levantou a cabeça e se tornou uma palestrante motivacional de sucesso, com três livros publicados.

Mesmo com os rótulos que existem por aí a respeito dos portadores de nanismo, as pessoas que conhecem a minha filha e gostam dela, já não enxergam nela as diferenças definidas pela sua aparência exterior.

Mas isso tem muito a ver com o sistema de apoio que existe ao redor dela, através da família e dos amigos. Desde os primeiros anos de idade e até hoje, com 18 anos, procuramos mostrar a ela,de forma muito verdadeira, o que realmente importa e quem ela de fato é: uma pessoa linda, inteligente e capaz.

Ela tem convicção disso, graças a Deus, e essa autoestima vem do ambiente de amor e aceitação que ela desfruta desde o dia em que nasceu. E com essa segurança e motivação, ela está conquistando o mundo e enfrentando os desafios de cabeça erguida. Estou certa de que irá ainda mais longe do que já está. Pena que este ambiente de amor e positivismo em torno das diferenças ainda esteja mais restrito ao núcleo familiar.

Por isso, eu acho que já passou da hora das escolas e dos meios de comunicação também se engajarem de forma mais efetiva no combate ao preconceito e na desmistificação das diferenças, sejam elas patológicas, étnicas, de orientações sexuais ou qualquer outra origem.

Celebridades como o apresentador Marcos Mion, que hoje exibe a imagem de pai exemplar de um filho autista e livre de preconceitos e rótulos, estão contribuindo para tornar o nosso mundo melhor, eu reconheço. Em 2002, porém, quando apresentava seu programa Descontrole, exibido pela TV Bandeirantes, Mion tinha uma atitude diferente.

O apresentador gritava pelo “anão” que trabalhava no programa em tom debochado e cômico, perpetuando o equívoco recorrente no Brasil de associar o pequeno a um ser inferior. A  brincadeira de mau gosto do tapinha na cabeça do seu funcionário com nanismo viralizou e chegou a ser repetida nas ruas por milhares de telespectadores que ainda riam cruelmente depois do que faziam como se fosse a coisa mais legal do mundo. Esse passado do apresentador, felizmente, ficou para trás.

Ainda é tempo dos formadores de opinião, motivados por sua experiência pessoal ou não, usarem o poder de influência dos meios de comunicação para ajudar a amenizar o sofrimento que muitas crianças, jovens e adultos portadores de deficiências ou diferentes do padrão de normalidade que a sociedade rotula.

O preconceito com as diferenças, principalmente àquelas que atingem um número reduzido de pessoas, como no caso da minha filha, que tem Acondroplasia, chega a ser mais devastador.

Eu nunca vi ninguém rir ou apontar o dedo para uma criança com síndrome de down. Embora ainda aconteça, atitude racista no Brasil dá cadeia. Comentários homofóbicos também estão sendo tratados como crime. Existe hoje mais respeito por eles e eu acho que os meios de comunicação tiveram um papel fundamental nesse processo. Mas com as pessoas pequenas isso ainda não acontece.

Em relação aos jornalistas de o Antagonista, especialmente um dos seus fundadores, Diogo Mainardi, que também tem uma história linda de vida com seu filho, portador de paralisia cerebral. Tenho certeza de que eles podem contribuir de forma mais efetiva para fazer valer a função social dos meios de comunicação, de informar e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum.

Desta forma, lapsos como esse do título da matéria, não acontecerão novamente. Espero que este texto desperte uma centelha de luz nas pessoas para  a consciência e a necessidade de termos mais compaixão pelo outro. O próprio site “Somos Todos Gigantes” foi uma iniciativa relevante nesta direção e vem sentindo seus impactos positivos na sociedade brasileira. E assim serão várias pessoas a menos neste mundo praticando cenas de bullying e de preconceito. Porque isso dói muito. Eu vi, eu vejo, eu sinto”.

Rafaela Toledo

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