Prática do esporte sem acompanhamento pode provocar lesões, mas quando monitorada revela ser uma ferramenta potente na transformação da qualidade de vida das pessoas com a deficiência
O sinal sonoro liberta para um mergulho profundo. “Na água eu dou tudo de mim, coloco na minha cabeça que eu vou ganhar, que eu sou o melhor. Penso nos meus familiares que estão assistindo e na minha vida”. Miguel Magalhães de Oliveira tem 14 anos e é um atleta paralímpico de natação. O adolescente tem acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo, e pratica o esporte desde criança. A natação é um esporte recomendado para pessoas com deficiência e promove uma série de benefícios, mas que exige cuidados.
Miguel, que nasceu em São Paulo, começou a natação com 8 meses de vida. “Eu fazia acompanhado da minha mãe, e com isso eu comecei a querer ver competições sobre a natação, por isso eu entrei na escola paralímpica. Conheci o Centro de Treinamento e depois de um tempo consegui me adaptar com as pessoas com outras deficiências. O momento mais marcante da minha vida foi a minha primeira competição”, conta Miguel. Ali começava a jornada do atleta na natação paralímpica.
No último campeonato disputado por Miguel, quatro medalhas foram levadas para casa: todas de ouro. A natação foi uma recomendação médica. “O pediatra e o geneticista que acompanhavam ele na época sempre indicavam a natação para ajudar no desenvolvimento. Ao longo dos anos, Miguel nunca teve dificuldade. Na verdade, foram muitos ganhos não só físicos, mas também comportamentais. Ele ficou mais responsável, mais dedicado. A disciplina é fundamental para o desenvolvimento e crescimento e a natação trouxe isso pra ele”, explica a mãe de Miguel, Valéria Magalhães de Oliveira.
Para a atleta Natália Borges, de 24 anos, que tem hipoacondroplasia, a situação foi diferente e a natação teve de dar lugar a um outro esporte. “Em 2018, comecei o processo para ser atleta de alto rendimento, mas eu não tinha equipe, nem treinador que fizessem o acompanhamento dos meus treinos. E a natação se tornou um esporte complicado, já que eu fazia tudo sozinha. É um esporte sem impacto, porém acontecem lesões e o atleta só descobre bem depois. Foi o meu caso”, conta Natália.
A atleta goiana teve uma lesão na coluna e isso a tirou dos jogos universitários de 2018. “Quando eu recebia a notícia de que era a melhor atleta paralímpica do estado de Goiás eu também recebia a notícia de que teria que me afastar das piscinas”, relembra. Hoje, no parabadminton, Natália alerta sobre os cuidados para quem pratica natação. “Nadar melhora as condições de carga respiratória e a amplitude de movimento para as pessoas com nanismo e isso traz mais qualidade de vida. Mas para que não haja problemas, é preciso fazer treino de musculação, ter uma alimentação balanceada e, principalmente, ter acompanhamento”.
METODOLOGIA ADAPTADA
O professor de educação física há 15 anos, Vanderlei Pedro Quintino, explica que para pessoas com nanismo existe uma metodologia adaptada de acordo com estatura. “São estímulos, principalmente na coordenação do nado com controle da respiração e cuidados na entrada da piscina”.
Ele destaca que é importante que a pessoa com deficiência faça acompanhamento médico e na hora da atividade aquática tenha um professor. “A queda na água de qualquer jeito, sem metodologia, treino e acompanhamento, pode levar a um impacto que provoca lesões musculares e na coluna. A natação não faz mal. O que faz mal é não saber como nadar. Isso vale para qualquer esporte. É preciso saber mergulhar, saber como cair, saber os movimentos para que não haja nenhum problema. A recomendação principal é não fazer a atividade por conta própria. Tenha sempre algum profissional por perto”, reforça Vanderlei.
Atualmente, o professor treina 60 alunos, cinco deles com nanismo, e é um defensor da natação para todas as pessoas. “É um esporte que se adequa a qualquer situação e não há contraindicação. É uma atividade muito adaptável e muito eficaz para pessoas com deficiência. Temos pessoas aqui tetraplégicas, sem nenhum movimento, e fazem a natação. E isso transforma vidas”, ressalta.
Segundo Vanderlei, os benefícios mais relevantes para as pessoas com nanismo são o alongamento corporal e o desenvolvimento da capacidade do sistema respiratório. “A qualidade de vida dos praticantes da atividade física é incrível. Melhora a parte psicomotora, social, sistema hormonal, renal, digestivo e até emocional, além do fortalecimento da massa cefálica. Para quem participa de competição, melhora a disciplina e fortalece a persistência”, pontua Vanderlei que encontrou no esporte o amor pela vida. “Eu tenho só 4% da visão, mas a minha profissão vai além do imaginário e do protocolo. Eu enxergo o coração. Sou um professor que entro na piscina e visualizo o que preciso corrigir e orientar. Para além disso, eu estou sempre acompanhado de outro professor que me auxilia”.
Uma das alunas de Vanderlei é a Luísa do Prado, de 7 anos, que tem acondroplasia. Moradora de Joinville (SC), ela começou a nadar aos 6 meses de vida, quando fazia hidroterapia por recomendação médica. “Ela já gostou desde o início. E ao longo do tempo, ela foi se apaixonando. Com 6 anos, ela entrou para a associação paralímpica”, diz a mãe de Luísa, Bianca Prado.
Para Bianca, o esporte significa superação. “Minha filha é um exemplo de que tudo que a gente quer, a gente pode conseguir. Eu tenho um sentimento muito forte de estar no caminho certo, apesar de saber que a caminhada é árdua. A natação mudou a nossa vida, porque ver a Luísa com aumento de força muscular, melhorando a respiração e vários outros benefícios nos dá estímulo, esperança”, celebra Bianca.
DESAFIOS PELO CAMINHO
Lívia Helena dos Santos, tem 8 anos e muita história pra contar. Ela começou a atividade aquática há um ano e já ingressou na Associação Paralímpica de Joinville (SC). Além da natação, ela faz também ginástica rítmica e dança urbana. Nos próximos dias irá se apresentar com o estúdio onde frequenta, no Festival de Dança de Joinville.
Lívia, que tem acondroplasia, teve perda auditiva devido ao acúmulo de líquido nos ouvidos, uma condição comum da acondroplasia, uma vez que, pela anatomia da face, o canal auditivo é mais estreito e suscetível a acumular mais secreção. Não há relação dessa condição com a natação. Lívia precisou ficar 6 meses fora das piscinas pra fazer uma cirurgia, mas depois voltou a fazer o que ama. “Tenho muito orgulho da minha filha, ela é muito forte e determinada. Ela pode contar comigo sempre em qualquer situação. Vamos passar por novos procedimentos cirúrgicos e vai dar tudo certo”, diz a mãe de Lívia, Silvana Santos.
NATAÇÃO COMO PROFISSÃO
Marcela Sacilotto Corrêa e Castro Silva, de 14 anos, acumula muitas medalhas e títulos. Ela é de São José dos Campos (SP). Em 2023, Marcela, que tem acondroplasia, foi campeã paulista nos 100 metros costas. Os resultados daquele ano fizeram com que ela fosse convidada para o Camping Escolar no Centro Paralímpico Brasileiro onde os atletas convidados ficam por uma semana em um treinamento similar aos atletas principais do esporte paralímpico brasileiro. A primeira etapa desta camping ocorreu em Janeiro de 2024 e a segunda etapa inicia neste sábado (6 de julho). Ainda neste ano, a atleta conquistou o terceiro lugar nado costas na Nacional entre os adultos, ou seja, terceira melhor do Brasil na categoria dela. Também em 2024 ela nadou pela primeira vez a modalidade peito onde garantiu ouro na segunda prova.
“Ela foi aos poucos evoluindo, descobrindo o lugar dela, confirmando que é o que ela gosta. Ela é uma “peixinha”, flutua na água é como se ali fosse realmente o ambiente dela”, afirma a mãe de Marcela, Camila Sacilotto Corrêa e Castro. Ela conta que a filha começou a nadar com 6 meses de vida, sempre com um acompanhamento multiprofissional. “No primeiro ano, Marcela foi acompanhada por vários profissionais, entre eles neurologista, ortopedista, fisioterapeuta, pediatra, além de fazer vários exames. A natação foi muito importante nos primeiros 2 anos dela, ajudou muito no equilíbrio, a sentar e a andar. Nunca tivemos problemas decorrentes da atividade”, relembra Camila.
Marcela é realizada fazendo o que mais gosta. “Tudo mudou quando entrei em uma equipe PCD do Instituto Athlon para treinar há quase 2 anos. Me senti mais apoiada e acolhida. Foi ali que comecei a ter a natação não mais só como esporte, mas também como saúde. Quando vou competir, não vou em busca apenas das medalhas, mas também das conquistas e a certeza que nada pode impedir uma pessoa com deficiência”, complementou Marcela.
Isabeli Domingos, de 14 anos, também mergulha fundo na profissão nadadora. Ela foi diagnosticada com Displasia Metafisária, um tipo raro de nanismo. “No início, foi uma recomendação médica, mas depois virou paixão e profissão”, diz ao frisar que nunca teve problemas durante a prática da atividade. “Seguimos com rigor as orientações dos professores e as técnicas. Eu tinha problemas no começou por causa do meu TDAH, mas logo transformei a dificuldade em combustível”.
Para Isabeli, a natação, quando executada com técnica e acompanhamento, é capaz de transformar realidades e abrir caminhos para a realização de sonhos.
Uma resposta
Parabéns pelo seu trabalho Kamilla