Protagonista, vilão, assistente de palco, humorista. O nanismo nas telinhas, no cinema e no teatro passa por grandes mudanças e a percepção de quem está do lado de dentro da TV ou nos palcos é a de que as transformações começam aqui de fora. É a quebra do preconceito que viabiliza papéis mais sofisticados e que não necessariamente têm o nanismo como destaque. Ao mesmo tempo, é essa mesma mudança que permite trabalhos que se valem do humor e até mesmo que os caricatos sejam mais leves, que sejam escolha e não opção única. Neste post, o Somos Todos Gigantes conversou com quem participa ativamente da cultura na TV, no teatro e no cinema. O resultado: muito orgulho e a certeza de que o caminho ainda é longo!
Leonardo Reis, de 41 anos, tem Displasia Diastrófica, é formado em Ciências da Computação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre e concursado. Ainda assim, decidiu que a arte podia ser uma segunda profissão. Foi para o cinema, pra TV e também para o teatro. Conhecido como Gigante Léo, protagonizou o filme ‘Altas Expectativas’ e participou de outros: ‘O Concurso’, ‘Minha vida em Marte’, ‘No Gogó do Paulinho’ e ‘Crô em família’, além de dublar o personagem Gary no último filme “Coringa”.
Leo é, com certeza, um dos grandes nomes do país que leva o nanismo para telinha e que inspira outros tantos a conquistar degraus mais altos. Na TV Globo participou da novela ‘Novo Mundo’, de ‘Pé na Cova’, ‘Zorra Total’, ‘Nova Zorra’ e ‘Os caras de pau’. Na Multishow conquistou o Prêmio de Humor em 2012 e já esteve em ‘Vai que Cola’, ‘220 Volts’ e ‘Treme Treme’. No teatro, além de várias peças infantis, esteve ao lado de Ulisses Matos na peça ‘Mentira tem perna curta’, esteve em turnê com ‘É o que temos pra hoje’, além do solo de humor ‘Verticalmente Prejudicado’.
Léo conta que já recusou muitos trabalhos como assistente de palco porque não se sentia bem neste local. “Acho que é preciso ter espaço para todo mundo e acho que todas as oportunidades são importantes, mas também acredito que é preciso lutar por espaço e mostrar que não é apenas este o lugar das pessoas com nanismo. Temos excelentes atores e atrizes que têm nanismo e não é por isso que só podem fazer papéis caricatos. Podemos fazer humor inteligente sem cair no óbvio, no caricato. Eu não gosto, não faço, mas não tenho nada contra quem faça”, completa. O ator pontua, com firmeza, que não vê nenhum trabalho como negativo e acredita que de alguma forma, estas pessoas estão marcando algum lugar e possibilitando que outras tantas tenham novas oportunidades. Para Leo, quebrar os ciclos depende muito mais de fatores externos.
“Há 20, 30 anos, alguns diretores, que inclusive eu respeito muito, enxergavam que colocar uma pessoa com nanismo sendo protagonista ou par romântico, isso ia soar ruim. Hoje em dia, se a gente tivesse um vilão ou até mesmo um galã e não falasse especificamente do nanismo, as pessoas iam querer assistir e seria sucesso. Isso aconteceu porque ciclos foram quebrados. Pessoas com nanismo podem ser brilhantes artistas. Nós somos capazes. Já fiz papéis comuns como anão a branca de neve, por exemplo, mas isso não impediu que me vissem como capaz de trabalhos diferentes ”, afirma Leo Reis.
O Gigante Léo conta que já recusou trabalhos, vários, sobretudo de assistente de palco. “Eram boas propostas financeiras, mas recusei porque achava que não era isso. Não precisava e não estava confortável. Tenho uma vantagem considerável de ser formado, concursado e não precisava da renda da arte para sobreviver, para colocar comida na mesa. Pude ter condições financeiras de fazer diversos cursos preparatórios com Sergio Pena, Fátima Toledo e tantos outros profissionais. Financiei diversas preparações particulares”, finaliza.
Programas de auditório
Elias Casales, de 46 anos, tem Acondroplasia e já trabalhou com Silvio Santos, Gugu, Sabrina Sato, Geraldo Luís e também no Programa Pânico na TV. Recentemente, participou da gravação de uma série do Whinderson Nunes, que ainda não foi ao ar, e coleciona inserções em clipes. Para ele, há um lado extremamente positivo nos trabalhos, mas claro, também faz suas ressalvas. “Tem coisas que eu não aceito. Se eu acho que é muito preconceituosa, que ultrapassa o que eu quero, digo não. Quero trabalhar, ganhar meu pão, mas tem papéis que eu não aceito. Tenho outros amigos que aceitam. Cada um tem o seu querer, o seu livre arbítrio”, acrescenta.
Para o artista, estar em um programa de auditório é mais que uma simples participação, é uma forma de entrar na casa das pessoas. “O anão na televisão, ele entra na casa das pessoas e principalmente as crianças começam a quebrar barreiras. Há 10 anos, a gente saia na rua e era visto como engraçadinho, as pessoas nos olhavam com impacto. Isso está mudando. Estamos quebrando barreiras. Não vejo alguns papéis como falta de oportunidade, mas claro queremos ser reconhecidos, mostrar o que somos e não somos apenas pessoas com deficiência”, acrescenta Elias.
Ele diz que já chegou, inclusive, a ser convidado para um filme pornô, era um dinheiro bom e ele estava precisando, mas recusou. “Pensei, pensei e que isso não seria legal para o futuro, filhos, família. Tenho amigos que hoje se arrependem deste tipo de trabalho e eu não toparia por dinheiro nenhum. O dinheiro pesa muito, mas eu não aceitaria”, finaliza.
Preconceito enraizado
Veca Ned é atriz, palhaça e cantora. Filha do cantor Nelson Ned, também tem nanismo e tem a arte correndo nas veias. Ela afirma que duas frases do pai que foi reconhecido mundialmente ela ainda carrega: “Não trafique com sua estatura” e “Você não precisa passar por isso”. Ela é mais enfática na recusa de alguns trabalhos e fala em preconceito enraizado. Diz que já recebeu inúmeros convites para fazer papéis de anões da branca de neve, duendes e afins, mas não topa.
“Desde a época medieval, os Gigantes eram expostos e com o contexto de chacota. Fomos expostos em circos de horrores como bobos da corte e vendidos, tratados como pets. Naquele tempo, quanto mais ‘gigantes’ no reino, maior as riquezas. Muitos andavam em coleiras e ‘cruzavam’ para dar filhotes. É difícil imaginar isso. Então, quando eu vejo gigantes se expondo a qualquer preço e fazendo os mesmos movimentos, só que em plataformas mais modernas, penso que evoluímos pouco como humanos”, completa Veca.
Com um grande exemplo em casa, diz que andar no caminho contrário seria jogar fora tudo que o pai ensinou. Agora, depois de muito não, diz que as pessoas se aventuram menos a convidá-la para qualquer trabalho e orgulhosa diz que já cantou até mesmo no Teatro Municipal. “Um dia escutei um comentário de bastidores assim: a Veca escolhe bem seus trabalhos, não são muitos, mas são muito bons. Fiquei feliz e tive a certeza de estar fazendo as escolhas certas”, finaliza.