Ministério da Saúde atrasa repasse de medicamentos para crianças com nanismo

Um atraso do Ministério da Saúde afetou o repasse de Voxzogo, medicamento para acondroplasia – tipo mais comum de nanismo – usado por crianças de todo o país. O remédio, que tem custo estimado em R$ 1,39 milhões por ano, é oferecido atualmente para 103 crianças do Brasil, por meio de decisões judiciais contra a União. Mesmo com decisões favoráveis, os medicamentos não estão chegando e as doses de crianças e adolescentes estão acabando sem reposição ou previsão de entrega.

Muito mais que baixa estatura, a acondroplasia é responsável por comorbidades complexas e faz com que o acompanhamento médico seja essencial de forma multidisciplinar. Aprovado em 2020 pela Anvisa, o Voxzogo não apenas auxilia no crescimento, mas diminui as complicações da doença. A medicação está disponível para crianças e adolescentes a partir de 2 anos de idade até o fechamento das placas de crescimento e por isso é necessário acompanhamento médico especializado.

Nesta quinta-feira (25/5), o Instituto Nacional de Nanismo (INN) enviou ofício ao Ministério da Saúde e ao Conselho Nacional de Saúde solicitando informações a respeito da normalização do fornecimento do remédio, mas ainda sem resposta. Também foram acionados deputados federais e senadores. Presidente do Instituto Nacional de Nanismo (INN), Juliana Yamin explica que a janela de benefícios do uso da terapia é pequena. Isso porque só está disponível dos 2 anos à puberdade. “Lutar para que as futuras gerações tenham uma vida mais saudável e melhor é um compromisso do Instituto e, nesse momento, a luta passa por garantir o acesso do medicamento a todos, com fornecimento contínuo”, acrescenta.

O medicamento é produzido pela BioMarin e em nota, a empresa afirmou que desde a aprovação do Voxzogo estão observando a intensa demanda global. Em nota, a a farmacêutica afirmou que em dezembro de 2022 foi firmado um contrato com o Ministério da Saúde (340/2022), e que foi aditado em março para fornecimento de doses adicionais. As unidades, segundo a BioMarin, foram entregues ao Ministério em 18 de maio. Outras negociações para um novo cronograma de fornecimento foram concluídas em 14 de abril, mas o novo contrato ainda não foi assinado. Após a assinatura, o prazo para entrega é de 30 dias. Depois disso, as doses precisam ser encaminhadas para os pacientes.

“O tratamento é qualidade de vida, longevidade, acessibilidade. As pessoas, por falta de conhecimento, tendem a achar que a pessoa com nanismo é apenas um adulto que não cresceu. Mas vai muito além disso! Não são só centímetros a menos. É um esqueleto todo formado fora do padrão, com coluna e articulações comprometidas. São problemas auditivos, respiratórios, cardíacos (na idade adulta). É a dificuldade de manter o peso dentro de um padrão saudável. A pessoa com acondroplasia vive em média 10 anos a menos que a população geral”, completa Juliana Yamin.

“Se tornar proporcional é a mudança mais visível”

Ana Clara Viana, de 7 anos, mora em Macaé, no Rio de Janeiro e usa o Voxzogo há 9 meses. Sem receber uma nova remessa, as doses acabam no próximo domingo (28/5). Em 270 dias de medicação, foram mais que centímetros e troca de numeração do sapato. “Ela ganhou muita autonomia. Passou a alcançar interruptores e portas, maçanetas, prateleiras. Uma coisa que também não conseguia fazer era amarrar o cabelo sozinha porque os braços não alcançavam. Ana Clara passou a usar o self-service da escola que não usava antes. Ganhou massa muscular, força e proporcionalidade. Sem dúvidas se tornar proporcional é a mudança mais visível”, completa a mãe, a engenheira mecânica Anyck Viana, de 33 anos.

Tratamento mostra evolução

Independência e centímetros a mais

Tarsila usa Voxzogo há 9 meses

Charla Goulart é produtora rural em Aquidauana, em Mato Grosso do Sul e mãe da Tarsila, de 3 anos e 4 meses. A menina está usando a medicação há 9 meses, mas também só conta com mais 3 doses. “As mudanças foram várias além da altura, que já foi um ganho significativo. Os pés que não cresciam, cresceram e agora ela consegue alcançar a mãozinha para limpar o xixi. A Tarsila agora consegue amarrar o próprio cabelo e as mãos perderam o que chamamos de ‘tridente’, característico do nanismo. Mobilidade, equilíbrio, independência… o osso do nariz cresceu e o rostinho mudou muito”, acrescenta a mãe.

Sem medicação desde 22 de abril

Neide Roberta Vieira, de 38 anos, é mãe de Adryan Nicollas, de 3 anos, e eles moram em Camaçari, na Bahia. A medicação é aplicada desde 3 de janeiro e acabou em 22 de abril, há pouco mais de um mês. A mãe conta que a curvatura da coluna que era acentuada melhorou bastante e que o garoto também cresceu 4 centímetros. As mudanças também foram visíveis nos braços e pernas. Agora, sem previsão de novo recebimento da medicação, a sensação é de impotência. “A sensação é de impotência, medo, angústia e desespero. Sabemos que é um medicamento muito importante para o desenvolvimento das nossas crianças. Não pode ser interrompido assim, do nada, sem nenhuma satisfação às famílias. Eles não sabem quantas dificuldades passamos para receber essa medicação para, de repente, não recebermos mais”, finaliza Neide.

Adryan está sem medicamento desde o dia 22 de abril

Interrupção em breve se não houver entrega

Anaísa Banhara, advogada especialista em acesso à Saúde defende hoje 60 casos de crianças envolvendo o acesso ao Voxzogo. Destes, 45 estão recebendo a medicação, mas algumas na iminência de fornecimento interrompido se não houver mudanças ainda nesta sexta-feira (26/5). “Fazemos alinhamento no Poder Judiciário sempre informando quando as doses acabarão para que a União seja pressionada. Também fazemos alinhamento político e administrativo junto aos órgãos de execução e fiscalização, mas desde janeiro estávamos tentando respostas, sem sucesso”, completou a advogada. 

Catherine Moraes

Jornalista por formação e apaixonada pelo poder da escrita. Do tipo que acredita que a informação pode mudar o mundo, pra melhor!
Comentários

Respostas de 3

  1. Olá, minha filha Ágatha Lis Brito Lopes,3 anos e 3 meses faz uso da Voxzogo a 8 meses e só tem 22 doses. Estou muito preocupada se não chegar a tem e o tratamento ser interrompido!

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