Iasmim Vitória Sandri do Nascimento, de 15 anos, é moradora de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo (SP) e antes mesmo do nascimento, a família descobriu que ela teria uma displasia óssea que lhe causaria a baixa estatura, o nanismo. Aos 12 anos, entretanto, depois de diversas terapias e acompanhamentos multidisciplinares, outro diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA). A adolescente não é um caso isolado na comunidade e as histórias revelam as dificuldades enfrentadas pelas famílias para garantir tratamento adequado não apenas para o nanismo, mas também para o autismo.
Miriam de Cássia, de 39 anos, mãe da Iasmin conta que desde o 5º mês de gestação foi alertada sobre os membros curtos e o diagnóstico de algum tipo de nanismo. O parto precisou ser adiantado pela falta de desenvolvimento e a bebê, que nasceu com 37 cm e 2,1 kg, passou oito dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em todo o mundo já foram encontrados mais de 500 tipos de nanismo e Miriam explica que ainda assim, não há um diagnóstico fechado da filha, que é acompanhada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo (SP) desde o primeiro ano de vida.
“A Iasmim sempre foi muito esperta, comunicativa, falante, mas quando entrou na escola, aos 4 anos, fui chamada pela professora. A indicação era de que eu deveria buscar um profissional para avaliação e comecei a perceber que ela estava regredindo. As crianças desenhavam e ela só conseguia fazer alguns rabiscos. Por outro lado, era esperta e ativa e a neuropediatra falava que ‘era o tempo dela’. Não fiquei satisfeita, via o atraso dela na parte pedagógica e na idade comparada com outras crianças”, explica a mãe.
A menina passou por fonoaudiólogo, psicólogo, psicomotricista e foi lá que constatou um atraso intelectual. Sem dinheiro para custear tantas terapias, ela teve o acompanhamento suspenso. Aos 7 anos, Iasmim voltou para as terapias e não conseguia processar o que as pessoas falavam pra ela. Não aprendeu a ler e não conseguia memorizar imagens. A mãe conta que só conseguiu pagar uma avaliação neuropsicológica para a filha quando ela já tinha 10 anos. “Fiz ela reprovar na escola duas vezes – o 3º e o 5º ano – porque ela não sabia ler. Hoje ela estuda em uma escola estadual, cursa o 8º ano e está aprendendo a ler. É uma menina mais independente, mas isso aconteceu com ajuda das terapias. Além da escola formal, hoje passa por uma clínica multidisciplinar com terapeuta ocupacional, psicóloga e psicopedagoga. Durante quatro dias da semana, também conta com uma acompanhante terapêutica por 3 horas que vem na nossa casa e trabalha questões sociais e de independência, do dia a dia mesmo”, acrescenta.
Aumento de demanda e demora no atendimento
Miguel, de 5 anos, tem acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo e também TEA. O garoto, que mora em São Paulo, capital, só teve o segundo diagnóstico confirmado no final de 2022. A mãe, Paula Luzin, de 41 anos, que é biomédica, conta que no final de 2020, primeiro ano de pandemia da covid-19, ele começou a apresentar um movimento repetitivo de dar “tapinhas” no ouvido. A primeira suspeita foi de otite, logo descartada. Os movimentos continuaram, inicialmente esporádicos, mas depois passaram a se intensificar.
O menino foi levado a um otorrinolaringologista com 3 anos e apesar de falar e pedir algumas coisas, não formava frases, usava palavras soltas e a indicação foi de um fonoaudiólogo. “Contamos para o pediatra sobre os movimentos repetitivos e ele disse que não achava necessário acompanhamento, justificando que poderia ser o tempo de confinamento por conta da pandemia. Somente após eu insistir ele fez o encaminhamento ao psicólogo e fonoaudiólogo”, explica a mãe do Miguel.
As sessões com a psicóloga foram iniciadas e em 10 encontros ela não conseguiu fechar um diagnóstico. Em seguida, solicitou um teste neuropsicológico. Paralelo a isso, Miguel foi levado a um neuropediatra que sugeriu autismo e já encaminhou para terapia ocupacional, psicóloga e fonoaudióloga. Após meses de terapia e a avaliação neuropsicológica, finalmente um diagnóstico fechado. Mesmo morando na maior cidade do país, a família teve dificuldade para um tratamento adequado e rápido pelo plano de saúde por falta de vagas disponíveis nas clínicas.
“Esperei por três meses em uma primeira clínica, e ainda não tinham todos os profissionais, mas iniciamos mesmo assim. Foram oito meses para conseguir vaga na clínica que ele está hoje e no início também não tinha terapeuta ocupacional. A reclamação é de falta de profissionais de terapia ocupacional e fono, além da alta rotatividade”. Hoje, o acompanhamento dele é de duas vezes por semana, com 3 horas diárias.
Pediatras e o diagnóstico de autismo
O caso de demora nos diagnósticos é uma realidade nacional e o assunto foi debatido no último mês de março, no Rio de Janeiro, durante o Seminário Rio TEAMA, que reúne famílias e profissionais ligados à comunidade envolvida no TEA. Palestrante do evento, o pediatra Thiago Castro que também tem um filho com diagnóstico de TEA, o Noah, e acumula mais de 295 mil seguidores no Instagram defendeu a importância do diagnóstico na rede primária de saúde bem como do apoio dos profissionais de educação.
“Pediatras deveriam saber sobre autismo. Esta conta não é apenas do neurologista, é nossa, dos pediatras e da escola. Quando negligenciamos os sinais, estamos assinando o atestado de comprometimento intelectual dessa criança. Somos nós que falhamos com ela. Uma vez eu disse pra uma mãe de um menino de 3 anos que ainda não falava que meninos falavam mais tarde… Que isso era normal, ele ia falar no tempo dele. Eu nunca me esqueci desse caso porque eu falhei. Se eu errar, eu rasgo o laudo, mas não diagnosticar é grave. O diagnóstico não é pra prender, pra rotular, é pra libertar essa criança, para garantir tratamento adequado”, disse Thiago.
Durante sua palestra, Thiago falou sobre os benefícios da intervenção e terapias corretas logo nos primeiros anos de vida e na necessidade de que esse momento não demore a acontecer. “Vemos nas cidades menores, longe dos grandes centros, os médicos pedindo encaminhamento para um neuropediatra. Essa consulta demora 4 meses. Temos no Brasil de 1,5 mil a 2 mil neuropediatras. Na minha cidade, a fila do Sistema Único de Saúde (SUS) chegou a 1 mil crianças. Depois de chegar a essa consulta, o médico pede uma ressonância: exame caro, com sedação, e muitas cidades não têm… Pediatras deveriam obrigatoriamente estarem capacitados para diagnóstico de autismo”, lamentou Thiago Castro.
Neurocirugiã, diretora de Relações Interinstitucionais da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e professora do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Ana Maria Moura afirma que os estudos sobre TEA são relativamente novos dentro da literatura e que um esforço está sendo feito dentro das vertentes incluindo níveis municipal, estadual e federal. “Estamos somando esforços para que mais pessoas sejam diagnosticadas e entendam os sinais de alerta para procurar um médico. Além disso, a busca é que esses pacientes sejam acolhidos em centros especializados em doenças raras. Ano passado foi inaugurado um em João Pessoa, este ano outro em Porto Alegre. Já temos o primeiro curso de especialização em Doenças Raras na Paraíba. Pessoas estão sendo formadas e redes de apoio estão sendo formadas. Os números são cada vez maiores e os desafios são intensos”, completa.
Atendimento ainda mais precário nas cidades menores
Abraão tem 11 anos e mora em Paranatinga, no interior do Mato Grosso. A cidade com população estimada em 23.250 habitantes segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fica a 377 km de Cuiabá, a capital do Estado. Diagnosticado com TEA e acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo, ele enfrenta as dificuldades da falta de atendimento multidisciplinar na cidade.
A mãe, a professora Evanize Rodrigues, de 43 anos, conta que aos 4 anos as características começaram a ficar evidentes: ecolalia (um distúrbio da fala considerado sintoma comum de TEA), movimentos repetitivos, seletividade alimentar e não interação com outras crianças. “Ele fez sessões com psicóloga, fonoaudióloga e por último com neuropsicóloga, sempre com observações e relatórios da escola. O Abraão tem atraso intelectual na aprendizagem escolar e não acompanha o currículo proposto para o 6º ano. De manhã, frequenta uma escola regular e participa da sala de recurso”, explica.
Evanize diz que a indicação para o filho é de um acompanhamento com terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e fonoaudióloga, mas que o município não conta com equipe multidisciplinar. Sem plano de saúde, todos os exames para diagnóstico foram feitos de forma particular e a psicóloga em um centro de reabilitação público.
“Foi caríssimo, ficou pesado e tentei os demais acompanhamentos pela rede pública, mas precisaria levar ele a outra cidade. As leis existentes são boas, mas falta efetivação na prática, principalmente no atendimento médico e acompanhamento terapêutico. A fila de espera para atendimento em um centro especializado é longa. O diagnóstico é demorado. As primeiras características que ele apresentou até hoje são as mesmas, só se definiram. Mas não podemos deixar de procurar atendimento de qualidade para nossos filhos que precisam de autonomia e qualidade de vida. Isso fará diferença na vida adulta deles”, lamenta.
O mais difícil é o preconceito
“O mais difícil de tudo é o preconceito das pessoas. No começo também tivemos dificuldades com o convênio, principalmente para liberação de exames mais específicos. Hoje, vemos que falta inclusão de verdade na escola, adaptação das lições para nossos filhos que são PCDs. Muitas vezes pensamos em desistir, mas nosso amor por ela falou mais alto e sabíamos que ela seria capaz. Se eu pudesse hoje dar um conselho para uma família que passar pelos dois diagnósticos eu diria: tente manter a calma e procure ajuda. Com os avanços a gente vê que tudo que fizemos valeu a pena”, afirma a mãe de Iasmim.
Respostas de 2
Tenho várias dúvidas preciso passa por um especialista de Nanismo
Olá Matheus. Você tem nanismo ou é pai de alguma criança com nanismo?