Em 2017 minha esposa passou pela maravilhosa experiência de dar à luz ao nosso filho. Durante toda a gravidez, conversávamos sobre o medo de ter um filho com deficiência. A cada exame descartado, era um alívio. Quando ele nasceu, comicamente eu o olhei várias vezes, dos pés à cabeça, para ver se estava “tudo em ordem”. Para nossa surpresa, o estado de saúde dele foi agravando, até chegarmos ao diagnóstico de um tipo de displasia esquelética. Não irei me alongar em todo o drama, contudo adianto que o processo de diagnóstico, tratamento e mudança de padrões foram bastante desafiadores.
Ninguém projeta o nascimento de filhos com deficiência. Queremos filhos “perfeitos”, dentro dos mais elevados padrões sociais; e consciente ou inconscientemente, quando isso não acontece, passamos por um processo de readaptação. Com isso em mente, gostaria de pontuar cinco elementos que creio serem fundamentais para ajudar os pais nessa nova realidade:
Luto pelo filho ideal
Apesar da força da palavra, este é um processo psicologicamente real que ocorre com pais de filhos com deficiência. Projetamos não apenas amor, mas posturas, padrões, futuro, relacionamentos e tudo o mais para nossos filhos. É um processo natural da maternidade e paternidade. No entanto, quando nos deparamos com o diagnóstico que “quebra” os planejamentos que tínhamos, passamos pelo que a psicologia chama de luto. O filho ideal, projetado, mental que tínhamos, morre. É doloroso, mas necessário passar pelo luto. A única forma de aceitarmos o filho que temos é deixando de lado as falsas imagens dos filhos que queríamos.
Se os pais não passam pelo processo de luto do filho ideal, eles podem tomar duas posturas prejudiciais: a superproteção, anulando a identidade, autonomia e força própria do filho(a) especial; ou o abandono, que pode ser tanto emocional quanto físico. Filhos superprotegidos têm suas capacidades tolhidas por pais que os tratam como incapazes nas coisas mínimas; filhos abandonados têm seu afeto cortado, impedindo seu pleno desenvolvimento.
No processo de aceitação do filho real, muitos sentimentos podem ser experimentados. Os pais podem se culpar pela necessidade do filho (“e se tivéssemos feito um exame de compatibilidade genética?”), podem experimentar frustração e podem se sentir culpados de terem, eventualmente, não desejado aquela criança. Mesmo chocante, dentro do processo de luto emocional, alguns pais experimentam o pensamento de desejar a morte do filho chamado especial. Quando passam para a aceitação, se sentem culpados e frustrados por terem pensado aquilo, gerando, novamente, a superproteção para compensar a culpa.
Sendo assim é bom que os pais sejam pacientes consigo mesmos, respeitando cada processo emocional pelo qual passam, abrindo o coração para aceitar a preciosa experiência da maternidade/paternidade de crianças com deficiência.
Mudando as medidas de julgamentos
Filhos com deficiência abrem nosso olhar para novas experiências da humanidade. Conseguimos entender melhor os dilemas, lutas e sofrimentos de pessoas fora dos padrões sociais. É claro, existem pessoas que sabem se colocar no lugar de outras, mas algumas só conseguem se elas mesmas experimentarem aquela ocasião. Ademais, em dois sentidos mudamos as medidas de julgamento.
Primeiramente, aprendemos a ser mais pacientes e solícitos com deficiências e condições raras; sentimos a dor de outros pais e mães que sofrem; nos compadecemos mais de crianças. Tudo isso fornece uma rica oportunidade de sermos generosos em nosso olhar para com o próximo.
Em segundo lugar, mais como uma advertência, devemos tomar cuidado em como julgamos aqueles que não passam por essa experiência. Sendo mais claro: algumas pessoas com deficiência tendem a crer que toda a sociedade está contra ela. Pressupomos que “ninguém nos entende”, ou que “somos excluídos” intencionalmente. Existem, sim, pessoas preconceituosas, más e fechadas para o outro. Mas não é sempre o caso. Não podemos entrar numa defensiva existencial achando que a sociedade está contra nós ou nossos filhos. As pessoas ao redor também estão aprendendo. Elas igualmente vão notando, com as necessidades especiais próximas, que precisam se adaptar e mudar rotinas.
Aos poucos, as pessoas aprendem que alguns termos ou piadas ofendem, e só aprendem devido ao contato que terão agora com a pessoa especial. Desta forma, do mesmo modo que aprendemos a ser solícitos por meio da criança especial, devemos estimular de modo pacífico, educado e sem rancor que as pessoas também aprendam a solicitude para com o próximo.
Aproveitando o momento
Existem algumas doenças ou deficiências que impedem de traçarmos planos muito longos para nossos filhos. Sabemos que elas são mais graves. O erro, porém, é deixarmos de viver o bem futuro para viver o mal futuro. Cada momento, bons e maus, que temos com filhos doentes, devem ser vividos ali, no ato. Se for um momento de luta, chore enquanto luta. Se for de alegria, de sorriso, de progresso, se alegre no momento. Isso não é um chamado para a irresponsabilidade de planejamentos, mas atentar o olhar para o que vivemos, evitando a ansiedade pelo que pode ser. Doe tanto amor e carinho ao seu filho(a), de modo que, se ele partir, você sinta tristeza, mas não culpa, nem remorso. Doe tanta presença, de modo que ansiedades antecipatórias sejam apenas instantes, não rotina.
Aprendizado amplo
A rica oportunidade de ter filhos(as) com deficiências não é restrita aos pais. Os pais são os que mais desfrutam e aprendem com tal experiência, mas não os únicos. Você, por exemplo, participa de uma igreja ou religião? Toda a vida dessa igreja ou grupo será atingida por essa criança. Seu filho está em idade escolar? Toda a escola, amiguinhos e professores aprenderão a lidar e se adaptar, gerando riqueza vivencial para eles também. Seus pais, no caso, os avós da criança, também aprenderão e serão enriquecidos.
Aqui vale um alerta: os avós também passam pelo processo de luto e outros semelhantes ao dos pais. Sim, tenha ainda mais paciência com a sogra e sogro! Isso enriquecerá toda a rede familiar e de amizades. Até mesmo pessoas desconhecidas terão seus corações remodelados pela sua experiência. Claro, surgirão comentários embaraçosos e constrangedores, que despertarão ira em você. Mas outras pessoas serão ensinadas, ficarão interessadas, quebrantadas, e é bastante gratificante vivenciar isto.
Criando redes de relacionamentos
Nossa sociedade nos instiga a sermos individualmente fortes e vitoriosos. Tenho uma péssima notícia para você: você não é forte o suficiente! Você não se basta. Ninguém cresce sozinho na vida. Nem pela ciência, nem pela religião, nem pela filosofia o ser humano isolado é capaz de se bastar a si mesmo. Precisamos uns dos outros. Necessitamos de apoio emocional, espiritual e financeiro. Muitas vezes nos sentimos constrangidos em receber ajuda por termos a mentalidade errada sobre quem é o ser humano. Somos uma raça. No mundo animal, raças se unem contra predadores comuns.
Quem anda sozinho, padece com facilidade. Quem se une, vence desafios. A vitória de uma criança com deficiência é a vitória de todos os pais de filhos com deficiência. A conquista de um direito ou medicação representa a vitória para toda uma comunidade. Sendo assim, se envolva em uma rede de relacionamentos, com grupos e associações. Compartilhar e receber experiências nos dá forças para nossas lutas e nos mostra que não estamos sozinhos.
Que a rica oportunidade de ter filhos com deficiência nos ajude individual e coletivamente a nos tornarmos pessoas abertas e ativas para o bem do próximo!
Gustavo Arnoni, casado com Jaquelina, pai do Enoque, criança com Hipoplasia Cartilagem-Cabelo
Professor, escritor, teólogo, filósofo e pedagogo.
Respostas de 2
Realmente um grande desafio para nós pais, porém como sempre digo. Filhos especiais, pais especial e o amor supera qualquer barreira sempre. Meu Alexandre nesses 18 anos é a minha fortaleza, meu escudo, meu aprendizado, meu guerreiro. Tenho a força que nunca imaginei ter e tudo por ele. Sou grata sempre a Deus ter me escolhido para ser mãe dele🙏
Puxa vida! Chorei demais com esse texto, é exatamente assim o processo, o meu pequeno vai fazer 5 aninhos e confesso q no primeiro ano de vida dele, tudo q fiz foi chorar e questionar a Deus o pq dele ter nascido assim. Vc descreveu perfeitamente toda a trajetória de adaptação q de boa ou de má vontade a gente precisa pra conseguir lhe dar com a situação. O meu pequeno tem um tipo de Nanismo ainda sem diagnóstico, fiz todo pré natal certinho e nunca descobri nada, somente qdo nasceu q o médico me falou q ele tinha nascido com problemas. Hoje eu consigo enxergar q Deus tem seus propósitos e q é Ele quem nos dar a força necessária pra superar, e aos poucos a gente vai entendendo q sem perceber vamos nos tornando seres humanos melhores, não melhor q o outro, mas melhor q nós mesmos antes do processo. Obrigada por compartilhar esse texto, me identifiquei demais com suas palavras.