Dafne Dain Gandelman Horovitz é médica geneticista do Instituto Fernandes Figueira (IFF), braço da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Ao lado do colega de instituto, Juan Llerena Júnior, ela falou sobre a genética aplicada no campo do nanismo no 2º Congresso de Nanismo que aconteceu em outubro, em sua cidade natal.
Abordando o aspecto reprodutivo do aconselhamento genético, Dafne chamou bastante atenção do público presente. Houveram bastante manifestações de perguntas, dúvidas que também recebemos frequentemente aqui. Resolvemos trazer a discussão para as telas do Somos Todos Gigantes. Acompanhe e compartilhe.
STG – Quem tem Nanismo precisa de aconselhamento genético reprodutivo caso resolva engravidar? Por que?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – O ideal é que a pessoa com nanismo passe por um aconselhamento genético reprodutivo antes de engravidar para ter informações adicionais sobre riscos gerais. Riscos relacionados à própria gravidez por conta da baixa estatura e relacionados à possibilidade de transmissão do Nanismo para a prole.
Dependendo do tipo de Nanismo, a pessoa pode transmitir para seus futuros filhos. Isso depende também se o parceiro(a) tem ou não nanismo. Em algumas situações vai haver 50% de chances do neném nascer afetado, e em outras situações, se os dois têm nanismo, podemos até estar diante de um risco mais elevado.
Então é importante que isso seja discutido previamente para saber quais são estes riscos, não só em percentuais, mas se existe alguma possibilidade de detecção precoce, de prevenção, porque às vezes uma combinação de pai e mãe com nanismo resulta em formas potencialmente muito graves para o bebê.
STG – O que é mosaico germinativo e quais as chances de ele favorecer a reincidência de Nanismo autossômico dominante (como é o caso da Acondroplasia)?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – Mosaico germinativo significa que uma pessoa de estatura mediana, que já teve um filho com algum tipo de doença genética relacionada a um gene dominante, tem um outro filho com a mesma alteração.
Isso pode acontecer no caso da Acondroplasia, da osteogênese imperfeita… Não é tão frequente.
Se um casal de estatura mediana tem um filho com nanismo de herança do tipo dominante, o mais provável é que seja um acaso, um evento novo, uma mutação nova. Mas às vezes um dos pais tem algumas células nos seus órgãos reprodutivos, ou seja, tem uma série de células no ovário ou no testículo que, na realidade já têm aquela mutação determinante da condição genética.
Quando a gente vê este tipo de condição, temos que prever um risco de recorrência de, no mínimo, 6%. Mesmo que o casal tenha estatura mediana e tenha um filho com um tipo de nanismo ligado ao gene dominante, que mais provavelmente deve ter sido uma mutação nova, aconteceu só naquele embrião, temos que dar um risco de recorrência de 6% porque é a expectativa caso seja um mosaico germinativo.
Mas é difícil prever isso. A gente só consegue determinar que isso realmente ocorreu se acontece de novo.
STG – Qual a chance de recorrência em casos de Acondroplasia quando os pais não têm nanismo?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – No caso de um casal de estatura mediana que tenha um filho com Acondroplasia, o risco de recorrência seria exatamente a questão do mosaico germinativo. Neste caso, o risco de recorrência é baixo, considerado no máximo, 6%.
Mas se o casal de estatura mediana tem um filho com nanismo, e um segundo filho também de baixa estatura, temos certeza que existe um mosaico germinativo, aí a gente pode estar diante de um risco mais alto.
STG – Por que a chance de recorrência é maior em caso de genes autossômicos recessivos?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – Se nasce um indivíduo com nanismo ligado a genes recessivos como, por exemplo, a displasia de cartilagem do cabelo e a displasia diastrófica, os pais do indivíduo com a condição carregam aquela informação genética. Esses genes ficam escondidos, não se manifestam, mas vão se manifestar se encontram semelhantes (recessivo + recessivo).
A pessoa que nasce com essas patologias têm duas mutações determinando a condição. Só vai se manifestar em dose dupla. Igual aquela história de olho escuro e olho azul. O olho azul é o que as pessoas dizem ser o “aa” (par recessivo). Tanto o pai quanto a mãe podem não ter aquela característica, o gene recessivo está lá presente, mas fica escondido porque tem o outro gene dominante no par, porque temos sempre pares de informações genéticas.
Na hora que encontra o recessivo do pai com o recessivo da mãe, a criança nasce com aquela alteração. A partir do momento que nasceu a crianças com nanismo do tipo recessivo nós sabemos que pai e mãe têm aquela alteração genética escondida e que a chance de acontecer novamente é de um para quatro ou 25%.
Foto: Rafaela Toledo
Por outro lado, o indivíduo que tem este tipo de nanismo, quando vai ter um bebê só corre risco de ter uma criança com a mesma condição se o seu parceiro também tiver um gene que determine aquela condição.
Na maior parte das vezes, se este indivíduo com nanismo se casar com alguém de estatura mediana, o bebê não tem risco de ter nanismo.
Agora, por exemplo, se casar um indivíduo com nanismo diastrófico com outra com nanismo diastrófico, os dois são o que a gente chama de duplo recessivo, quer dizer, eles só têm aquela informação genética, 100% dos filhos teriam aquele tipo de nanismo.
Foto: Rafaela Toledo
Se casa um indivíduo com nanismo diastrófico com outro que tenha outro tipo de nanismo recessivo, são genes diferentes. Provavelmente os filhos não terão nanismo.
STG – Quando ambos os pais têm Nanismo, existe risco de vida para o bebê? Qual a chance do bebê ter Nanismo?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – Nesta situação de ambos com nanismo, é fundamental que a família passe por aconselhamento genético porque a probabilidade do filho vir com nanismo e com uma forma mais grave do que a dos pais pode existir, mas vai depender do tipo de nanismo.
Temos que olhar combinação por combinação. No caso de dois acondroplásicos (gene dominante), que é o nanismo mais frequente, ambos têm o gene dominante e o recessivo. A combinação pode realmente levar à algumas alterações. Quer dizer: existe uma possibilidade de 50% de filhos também com nanismo acondroplásico, 25% de filhos com estatura mediana e 25 % de filhos que vão receber o gene da acondroplasia de ambos os pais. Neste caso, vai ser uma dupla dominância, muito grave. Existe muita má formação óssea, o bebê tem uma hipoplasia da caixa torácica, os pulmões não conseguem se desenvolver e é uma forma letal de nanismo. Então isso é muito sério.
Dependendo das combinações, se casa um acondroplásico com um diastrófico, por exemplo, eles só vão ter risco de ter filhos com Acondroplasia (risco de 50%). E existem algumas combinações que podem casar duas pessoas com nanismo e não há risco de filhos com nanismo. Aí depende. Se são dois com nanismo do tipo recessivo ou dois com nanismo do tipo dominante; ou outras combinações.
De repente, um acondroplásico com uma displasia espondiloepifisária, essa combinação pode dar uma forma diferente de nanismo, porque são dois genes dominante diferentes (combinação de duas formas de nanismo).
Foto: Rafaela Toledo
STG – Quem tem Nanismo precisa necessariamente de reprodução assistida para conseguir engravidar ou evitar a maturação de genes com a mutação?
Foto: Rafaela Toledo
Pré Natal de Alto Risco.Dafne – Depende da decisão de cada casal. O aconselhamento genético serve exatamente para mostrar as alternativas, mas a decisão é sempre do casal. A reprodução assistida pode ajudar na seleção de embriões sem nanismo ou sem formas graves de nanismo.
STG – Qual a importância do pré natal com acompanhamento genético para mamães com Nanismo?
Foto: Rafaela Toledo
Dafne – A mulher com nanismo vai ter uma gravidez de risco, então é muito importante o acompanhamento pré natal de rotina, de preferência com um obstetra que tenha experiência com pré-natal de alto risco.
O maior risco é mais para o final da gravidez por conta das dimensões do feto e da mãe.
A questão do acompanhamento com geneticista é mais para reforçar o que já foi conversado no aconselhamento genético e também porque muitos casais pensam em procurar o geneticista, mas acabam só se lembrando de fazer esta consulta depois que a gravidez inicia. E o geneticista pode ajudar a direcionar certos exames, certas investigações.
STG – Existe um acompanhamento específico para mães com Nanismo? Quais os primeiros passos?
Dafne – Pré natal de alto risco. Há chance maior de parto prematuro e necessidade de repouso no final. Também há um risco maior de problemas na coluna.
STG – Quais os riscos da anestesia para grávidas com Nanismo?
Dafne – A formação da coluna atrapalha a anestesia. Fica mais difícil fazer peridural. Às vezes pode ser recomendada anestesia geral. A cesariana será indicada pelo tamanho da bacia.
STG – Quais os maiores riscos deste tipo de gravidez?
Dafne – Além do risco de transmissão do nanismo para a prole dependendo do tipo, conforme abordamos anteriormente, há risco por conta da baixa estatura da mãe e da desproporção que vai se acentuar com esta gestação.
Em geral, o bebê é grande e a mãe passa a ficar proporcionalmente mais pesada. Dependendo do tipo de nanismo, ocorrem alterações na coluna e a mulher pode passar a ter dor, desconforto, dificuldade respiratória… Tudo por conta do peso adicional envolvido na gravidez, principalmente em seu terceiro trimestre.
A anestesia na hora do parto também é mais difícil, como disse anteriormente. A mulher com acondroplasia, por exemplo, é mais difícil de ser anestesiada por uma peridural pela questão anatômica da coluna.
Muitas das mulheres que vão partir para uma anestesia no parto, vão ter uma anestesia geral. O parto normal também tende a ser muito mais difícil por conta da anatomia da pelve da mulher com nanismo. Na maior parte dos casos é indicada uma cesariana e uma equipe especializada em gestação de alto risco.
STG – O exame de DNA ajuda no diagnóstico? A partir de quando pode ser realizado?
Dafne – Sim, o ideal é que seja pedido por médico geneticista no aconselhamento genético do casal. O exame do feto depende do exame do casal e seria feito em situações específicas (diagnóstico molecular).
STG – O que acontece com os embriões que não são utilizados na inseminação?
Dafne – Ficam armazenados para tentativa futura. Se estiverem alterados, em geral, são descartados. Isso é discutido com o casal e o especialista em reprodução. Habitualmente é assinado termo de consentimento.
STG – Existe alguma possibilidade da pessoa fazer reprodução assistida pelo SUS?
Reprodução assistida com diagnóstico genético, até onde eu sei, não é oferecida pelo SUS.
STG – O que é a dupla dominância e como um casal com Nanismo pode evitar este risco?
Dafne – Se os dois têm um nanismo dominante e o bebê recebe duas mutações dominantes, seja do mesmo tipo seja para tipos diferentes de nanismo, o mais provável é que seja uma forma mais grave e com grande risco de letalidade por conta do desenvolvimento ósseo e do desenvolvimento da caixa torácica.
Como isso pode ser evitado? Casal passando por um aconselhamento genético, de preferência, antes da concepção, para a gente definir geneticamente o diagnóstico dos dois indivíduos e chegar às alternativas.
Este casal (dois nanismos dominantes) seria um bom candidato para considerar uma reprodução assistida, seleção de embriões, para, pelo menos, evitar a dupla dominância.
STG – Nosso leitor compartilhou sua história e perguntou: sua mulher está grávida e parece que a criança tem Nanismo, pelo encurtamento dos membros nos ultrassons. Fizeram fertilização in vitro e têm mais dois embriões para serem reutilizados. Qual a chance deles também terem Nanismo?
Dafne – Depende do caso. Será que é o caso de um casal de estatura mediana que fez reprodução assistida, por infertilidade, e descobriu que o feto tem nanismo. Se for o caso, o mais provável é que estejamos diante de um nanismo dominante, que é uma mutação nova, acontecida ao acaso. E o mais provável é que estes embriões guardados não tenham. Mas, novamente: é fundamental que este feto seja estudado para definir que tipo de nanismo tem e descobrir se existe chance de recorrência ou não para este casal. Procure um geneticista para orientação.
Respostas de 2
Gostaria de saber se há possibilidade de ter dois filhos com acondosplasia…
Sim.