Doença é genética e não tem cura, mas tem tratamento. No Brasil, uma a cada 20 mil pessoas é diagnosticada. São cinco tipos de OI, sendo quatro delas passíveis de desencadear o nanismo
O estádio de futebol estava lotado. Os gritos da torcida desencadearam risos e arrepios. Era a primeira vez de Davi da Silva Rodrigues, de 22 anos, acompanhando o esporte preferido ao vivo e a cores. Em campo, seu time do coração ganhava e ao lado, o pai vibrava junto. “Foi uma experiência surreal. Um momento único”. Davi cursa o 3º período de Jornalismo e sonha em cobrir partidas de futebol.
Natural do Rio de Janeiro, Davi tem o diagnóstico de Osteogênese Imperfeita, comumente conhecida como Síndrome dos Ossos de Vidro. É uma desordem genética caracterizada pelos ossos frágeis e fraturas ósseas, na qual ocorre um defeito na produção do colágeno tipo 1 (quantitativo e qualitativo). Ela é uma doença de caráter hereditário autossômico dominante, uma doença rara.
A osteogênese é classificada clinicamente em cinco tipos (I, II, III, IV e V), mas se conhece mais de 20 tipos de acordo com os genes que causam a doença. Em quatro deles existe a possibilidade do Nanismo, que é característica comum a mais de 750 tipos de displasias ósseas. É considerado nanismo quando o homem tem menos de 1,45m e mulheres com menos de 1,40m.
Davi tem o tipo IV que, no geral, não gera o nanismo, mas provoca baixa estatura. Davi tem 1,50m. A descoberta da doença aconteceu ainda na barriga da mãe. “No sexto mês de gravidez, durante a ultrassonografia, o médico me informou sobre a síndrome. Naquele momento, me inteirando do assunto, eu vivi um ‘luto’ daquilo que sonhei pro meu filho. A parte da aceitação foi a mais difícil”, conta Ivaneide da Silva Rodrigues, mãe de Davi.
Assim que nasceu, o cuidado era extremo. “A gente vivia com medo de quebrar algum osso. No banho, quando pegava no colo, ao andar com ele. Lembro que quando pequeno, eu tropecei na calçada de casa e caí com ele. Davi fraturou os dois fêmures, fraturou o pulso e teve hematomas na cabeça. Hoje, com ele já adulto, ainda temos cuidados, como por exemplo com a cadeira de rodas que não pode passar em um buraco”, relata Ivaneide.
O jovem faz acompanhamento com geneticista e ortopedista e vive cheio de sonhos. “Quero me tornar um repórter esportivo reconhecido, trabalhar muito e morar no Canadá”, diz Davi que se viu apaixonado pelo esporte ainda criança. “Foi tudo por conta do meu pai. Sou vascaino desde berço e tenho com o jornalismo uma forma de me aproximar de algo tão importante pra mim”, afirma o estudante.
Osteogênese e Nanismo
O tipo I da Osteogênese é leve, o tipo II é o mais grave e, em geral, letal; o tipo III é grave e os tipos IV e V são moderados. “O que diferencia é o crescimento dos ossos. Às vezes as formas mais graves têm baixa estatura acentuada e ocasiona o Nanismo. Os tipos leves não têm baixa estatura importante. Além disso, outra diferença entre os tipos é o número de fraturas. Quem tem formas mais graves têm mais fraturas e mais deformidades ósseas”, explica a médica geneticista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que é Centro de Referência em Osteogênese Imperfeita e Serviço de Referência em Doenças Raras, Temis Maria Felix.
De acordo com a médica, o Nanismo é observado de forma mais frequente nos tipos III e IV, mas pode ocorrer nos tipos I e V, com menor incidência. “Existem mais de 750 doenças que causam o nanismo; a acondroplasia, por exemplo, é a mais comum. E nesse universo, existe a Osteogênese que também causa o nanismo”, explica Temis Maria Felix.
Vida cheia de cuidados e realizações
A farmacêutica mestre em Química, Célia Regina Vieira Bastos, de 70 anos, tem diagnóstico do tipo III da Osteogênese Imperfeita, que é uma forma grave da doença e pratica natação. É uma paixão antiga. “Consigo nadar em 45 minutos cerca de 450 metros. Sempre com os cuidados de um professor. É meu momento de cuidar da saúde mental e melhorar ou manter minha qualidade de vida”. A prática esportiva tem espaço garantido na agenda dela duas vezes na semana e é conciliada com a fisioterapia.
Caçula de cinco irmãos, Célia tem 108 cm e vive uma vida cheia de autonomia. Hoje ela é professora aposentada do Departamento de Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde lecionou por mais 25 anos. Ela conta que também já dirigiu o próprio carro adaptado e fez viagens sozinha. Sempre que tem uma festa entre amigas, ela faz questão de participar. “Eu gosto de estar entre pessoas queridas, me sinto bem”.
Para Célia, a forma de criação dos pais libertou ela das limitações. “Eles me fizeram superar muitos medos, desafios, dificuldades que uma pessoa portadora de uma síndrome rara tem. Fui uma criança muito feliz, apesar das inúmeras fraturas e cirurgias. Eles estimulavam muito a nossa independência. E não só a minha. Minha irmã também nasceu com Osteogênese Imperfeita. Vivemos bem. Minha irmã faleceu em 2022 vítima da Covid-19”, conta Célia. Lina, irmã de Célia, era médica pediatra geneticista.
Chegar aos 70 anos com um tipo grave de OI é um caso raro, segundo a médica Temis Maria. “A expectativa de vida vai depender muito das complicações que cada paciente tem. As formas graves como tipo III, em geral, têm maiores complicações pulmonares que reduzem a expectativa de vida”, afirma. As atividades físicas foram essenciais para que Célia tivesse qualidade de vida. “As atividades sempre supervisionadas por profissionais são fundamentais para prevenir complicações, principalmente pulmonares”.
Célia ainda tem alguns projetos guardados que pretende executar. Devagar. Mas sem desistir. “Eu sou uma pessoa feliz. Faço as coisas que eu gosto e desejo que mais gente possa ter acesso a suporte, ajuda e apoio para viver bem”, finaliza.