Primeira bailarina profissional com nanismo do Brasil já deixa legados 

Desde os primeiros passos de dança, há mais de 20 anos, o balé se tornou uma paixão de Jéssica Muniz, hoje com 25 anos, moradora de Ananindeua (PA). O que era um hobbie de criança se tornou uma prioridade. Por ter acondroplasia, um tipo de nanismo, quase desistiu do sonho após ouvir de uma professora que a dança seria impossível para ela. Se negando a aceitar, dando passos na ponta dos pés, percorreu uma maratona e hoje é bailarina profissional – ao que se sabe, a primeira do Brasil com a condição. 

O início da dança foi aos cinco anos, por meio de um projeto social em sua cidade natal, que fica a 40 minutos da capital, Belém. “Enchi o saco da minha mãe porque queria fazer balé. Comecei na dança moderna e fiquei no projeto até meus 9 ou 10 anos”, recorda Jéssica. O primeiro obstáculo da carreira se deu em razão da extinção do projeto social, o que a fez ficar “parada” até os 14 anos. Foi com essa idade que ela ganhou uma bolsa de estudos em uma escola de balé conceituada de Belém. 

As primeiras experiências na nova escola foram ótimas, recorda. Em um ano fez amigos, melhorou suas técnicas e renovou as próprias expectativas. “Após um ano nós fomos fazer a avaliação para subir na sapatilha de ponta. Toda bailarina sonha em subir na sapatilha de ponta”, conta Jéssica. Ela sabia de seu potencial e que conseguiria. “Quando a professora chegou, falou que eu não teria capacidade de subir em uma sapatilha de ponta porque meu pé não aguentaria o peso, falou que meu pé era torno”, diz sobre um dos piores dias de sua vida. 

Triste e constrangida pelo olhar limitante da professora, Jéssica novamente precisou suspender as práticas. “Eu saí muito mal da aula, não queria voltar. Fui ao médico, fiz uma bateria de exames e o médico falou: ‘Não, Jéssica, você pode fazer o que quiser’. Mas peguei trauma”, detalha sobre a decisão. 

Volta por cima

Com o destino sempre ligado à dança, o retorno de Jéssica aos ensaios se deu de forma gradual, pelo ministério de dança cristã da igreja que frequenta. Já maior de idade, soube por um amigo que a  Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA) estava com vagas abertas para o curso de balé. Decidiu se inscrever, mas para ser aprovada teria que fazer a prova da sapatilha de ponta. 

“Fiz mesmo sem saber. Um dia depois do meu aniversário o resultado saiu. Dos 27 inscritos, apenas 10 foram aprovados  e eu era um dos nomes”, conta sobre a aprovação. “Foi o ano todo me dedicando na Escola de Teatro e Dança. Lá meus colegas me incentivaram a nunca desistir”, destaca sobre os apoios considerados fundamentais por ela.

 “O balé sempre tem um padrão, porém quando entrei quis quebrar isso. Não precisa de um padrão de beleza, o importante é a emoção que você passa na sua profissão”, diz sobre um dos ideais que a motiva ainda hoje.  

Acessibilidade

Apesar de se sentir aceita e abraçada por colegas e professores, Jéssica precisou passar a maior parte do curso sem uma barra fixa adaptada. A conquista se deu no último semestre da graduação em forma de surpresa. “Eu sempre cobrava  da nossa coordenadora uma barra adaptada, porque a barra de balé tem que ficar abaixo do busto da bailarina e no meu caso ficava no ombro. Quando eu voltei no último semestre, tinha uma barra preta, linda, maravilhosa  e adaptável”, brinca.

Mais do que para benefício próprio, Jéssica considera que a barra é uma das concretizações da sua meta de deixar um legado a partir de sua trajetória. “Isso deixa para as futuras gerações não desistirem de seus sonhos”, destaca sobre suas marcas. Sobre ser a provável primeira bailarina profissional do País, Jéssica diz que é “muita responsabilidade”, mas se orgulha do feito. 

Formada oficialmente no ano passado, Jéssica hoje trabalha como professora de dança para crianças de 4 a 12 anos. Também faz uma renda extra  produzindo e vendendo brigadeiros na sua confeitaria carinhosamente nomeada “Doce Bailarina”. Além disso, está concluindo uma segunda graduação, dessa vez em Publicidade e Propaganda, também pela UFPA.

“Eu sempre digo que a Jéssica de hoje em dia diria para a Jéssica de 10 anos atrás: ‘Não desiste, por mais que as pessoas não vejam capacidade na sua profissão, não desista, que você vai conseguir, pequena, que você vai conseguir seu diploma e eu tenho certeza que o mundo vai te reconhecer”, pontua a profissional, que promete ganhar o País e o mundo com sua dança.

Luiz Phillipe Araújo

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