Família tem cinco pessoas com nanismo. São três gerações que ainda vivem o preconceito, mas encontram no conhecimento ponto de partida de luta e transformação
Silene de Jesus tem 59 anos. Ela e a irmã, Selma Maria, têm nanismo em uma família de oito irmãos. “Meu pai tinha nanismo. Ele foi a primeira pessoa da nossa família a ter deficiência física. Na época dele, pelo que já ouvi, não tínhamos muita informação sobre essa condição. Então, ele viveu sem saber muito do motivo de ter estatura pequena. Na minha época, as informações também não eram de fácil acesso. Eu nem sei que tipo de nanismo tenho. Só depois da adolescência que eu entendi que era uma pessoa com nanismo. Minhas dores são tratadas da mesma forma do que de uma pessoa de estatura normal. E assim a minha vida segue”, conta Silene.
A dona de casa tem dois filhos, de 26 e 38 anos, e um deles tem nanismo. A criação dos dois foi focada em aceitação. Hoje, Silene sente muitas dores na coluna e evita sair de casa. Os passeios que ela adorava fazer, tiveram que sair da rota. “Eu preciso de ajuda pra quase tudo aqui em casa. Consigo cozinhar, mas as outras tarefas de casa são feitas por outra pessoa que eu contrato”, explica.
Silene conversa com a reportagem com muito alto astral, sempre rindo. “Eu sou assim. Mesmo com as dificuldades, eu tento trazer a parte boa sempre em primeiro lugar. Não tenho tempo para ser triste e nem gosto. Deus me deu essa vida e é ela que vou viver, fazendo o que eu posso para meus filhos. Sou alegre, mas não levo desaforo pra casa não hein?! Se fizer gracinha, leva de volta”.
2º GERAÇÃO
Janiele, de 36 anos, tem acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo e divide o trabalho de 8 horas por dia como operadora de caixa com a criação de conteúdos para a internet. São vídeos de danças, trends, humor, sobre o look do dia, dicas e com a filha, Heloísa, de 5 anos. São quase 38 mil seguidores. “Acho legal que as pessoas gostem do que eu posto, que achem graça das piadas e que muitas vezes seguem até as dicas que eu dou. A rede social é interessante. Recebo muitos elogios”, conta.
A operadora de caixa diz que quem a vê na rede social, cantando, dançando e muito bem resolvida com a sua estatura, nem imagina as marcas que ela tem na alma de uma época difícil da vida. “Eu sofri muito preconceito na escola, na rua. Em todo lugar que eu ia, minha aparência física virava chacota. Lembro de um apelido que me marcou: ‘tamborete de forró'”.
No mercado de trabalho, o preconceito também esteve presente. “Na busca por trabalho, muitos empregadores olham pra gente e acham que a gente não dá conta de realizar nenhum serviço, acham que não somos capazes. Muitos preferem não contratar porque precisam tornar a empresa acessível e eles não têm interesse, porque a nossa dificuldade não faz parte da rotina deles”, disse. Mas ela encontrou numa empresa a chance de se desenvolver como profissional. Quando fui entrar na empresa que trabalho até hoje, vi uma funcionária me chamar de anã para outro colaborador. Assim que subi para a entrevista contei sobre o ocorrido. Ela foi advertida e nunca mais eu sofri qualquer tipo de preconceito lá. A empresa buscou inclusive adaptar estruturas”.
Janiele conta que não teve muita instrução da família quando era criança. “E eu atribuo isso a falta de conhecimento mesmo da época. Eu fui crescendo, aprendendo e estudando sobre nanismo, me aprofundando no assunto e foi aí que encontrei o Instituto Nacional de Nanismo (INN), que fomentou meu conhecimento”, explica ao complementar que faz parte de um grupo com pessoas com nanismo de Salvador. Janiele ainda não participou dos encontros do INN, mas tem muita vontade de compartilhar experiências e conhecimento com outras pessoas. “Eu gosto de falar nas redes sociais, para todo mundo, não só para quem tem nanismo, que a gente consegue ser quem quiser, chegar onde quiser. É difícil? É! como é pra todo mundo que batalha e corre atrás dos sonhos”.
TRANSPORTE PÚBLICO
Um dos maiores desafios para Janiele e outras pessoas com nanismo é o uso do transporte público. Em ônibus, trens e metrô quase nunca existem adaptações. “Os veículos não são acessíveis. É uma situação constrangedora, porque você precisa de auxílio para tudo, para subir, para colocar o cartão na catraca e para segurar no ônibus quando você fica em pé. O assento para deficientes não é respeitado. A gente não tem liberdade. Quando ando com minha filha então, sempre tenho que ir com alguém junto porque é muito difícil. Existem muitos obstáculos”.
Janiele já enviou propostas para a câmara de vereadores da cidade para que o transporte público seja adaptado. “Já filmei e já fotografei o quanto a gente passa por situação humilhante. Eu pego dois ônibus por dia. Todo dia eu passo por isso. Eu mandei tudo isso para vereadores e eu cobro por melhorias. Eu penso que coisas públicas precisam atender todas as nossas necessidades, mesmo que minimamente. Isso é questão de cidadania de dignidade”.
3º GERAÇÃO
Heloísa tem 5 anos de idade e já recebe da mãe instruções pra vida. “Hoje eu faço questão de segurar na mão dela e falar como lidar com rejeição, críticas, chacotas, e não abaixar a cabeça. A gente tem que mostrar que somos normais. Temos direitos. E merecemos respeito”.
Heloísa está na educação infantil e senta numa cadeira tradicional, o que não é recomendável. Mas Janiele já solicitou que seja feita uma adaptação. “Ela precisa estar confortável para estudar. Passa muitas horas sentada. Na escola antiga, conseguimos fazer uma cadeira adaptada. E nessa, precisamos conseguir também. É assim ela vai vendo que a sociedade muitas vezes precisa ver a nossa dificuldade para se mexer. Na minha época, minhas pernas ficavam penduradas e tive muito problema. De circulação. Quero muito que um dia eu não precise falar, pedir, lutar. Sonho que um dia a escola vá olhar pra ela e tomar a iniciativa de deixar o ambiente acessível, porque é isso que é um mundo justo”.
Para Janiele, políticas públicas de inclusão melhoram a qualidade de vida para pessoas com deficiência, mas é preciso união de esforços para que isso aconteça. “Eu falo muito, porque nós precisamos verbalizar os obstáculos da nossa vida. Eu falo muito que a gente precisa de apoio. São vários obstáculos, o principal deles é como o mundo nos enxerga. Mas o preconceito não me define. Eu sou uma pessoa capaz de qualquer coisa”, finaliza Janiele.