Liberdade sobre três rodas

Pessoas com deficiência física também podem pilotar motos e triciclos; Veja como tirar CNH Especial na categoria A e as adaptações necessárias

O capacete, a jaqueta de couro e o espírito aventureiro andam sempre juntos com Emerson Turci, de 41 anos. O autônomo da construção civil tem dois triciclos, um para transitar na cidade e outro para viagens. Emerson tem a CNH Especial tipo A e B, para moto e carro, com indicações de adaptações, o que é previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Essa possibilidade dá autonomia e liberdade para pessoas com deficiência física, entre elas as pessoas com nanismo. 

Emerson, que mora na Vila Matilde, em São Paulo, teve primeiro um carro automático e depois sentiu a necessidade de um veículo de menor porte para transitar na cidade. “Eu nunca tive dificuldade de locomoção. E a moto ajuda muito, principalmente em lugares que tem a zona azul. Foi uma facilitadora da minha liberdade”, diz Emerson. 

Primeiro triciclo de Emerson (Foto: arquivo pessoal)

O primeiro triciclo dele é uma adaptação de uma moto comum, que recebeu duas rodas na frente. Essa mudança foi feita por uma empresa especializada nesse tipo de serviço no Brasil. O segundo triciclo, que é mais confortável, veio do Canadá e já foi fabricado dentro da necessidade de Emerson. Com esse triciclo, Emerson já conheceu vários lugares diferentes. “Já fui para Holambra, Serra Negra, Vinhedo, Guararema, Piracicaba, Bragança. São quase três anos com esse triciclo e todo mês tem passeios para fazer, inclusive com minha família. Eles vão de carro e eu vou no triciclo. É maravilhoso”, enfatiza. 

Emerson utiliza um triciclo fabricado no exterior para as viagens (Foto: arquivo pessoal)

Além das viagens com a família, Emerson faz parte de um grupo de motociclistas chamado Spyder Mania, que se reúne todos os meses para fazer passeios pelo estado de São Paulo. Fazem parte do movimento, pessoas de várias idades, com vários tipos de deficiência física e que, assim como Emerson, amam o triciclo. “É um momento de curtir a vida, fazer novas amizades, trazer pra perto muita gente que se sentia excluída. A partir do grupo, a gente consegue despertar a vontade de outras pessoas em ter a coragem de pilotar ou dirigir”, explica Emerson. 

Grupo de motociclistas Spyder Mania (Foto: arquivo pessoal)

O autônomo é diagnosticado com mucolipidose tipo III, um tipo raro de displasia óssea que causa baixa estatura com acometimento da coluna, bacia e mãos, mantendo rigidez articular. Ele não tem casos na família. 

CNH especial 

Para conduzir um veículo adaptado ou um triciclo na condição de pessoa com deficiência física é preciso ter a Carteira Nacional de Habilitação Especial, com uma ou mais letras no campo de observações. Esse indicativo é utilizado desde 2008 e foi criado para identificar características específicas do condutor. Podem ser restrições físicas ou alguma adaptação necessária para auxiliar na condução do veículo. 

Na CNH de Emerson Turci, por exemplo, que é tipo A (moto) e B (carro), no campo de observações constam as letras: A, D, Q e S. Elas significam: 

A: Obrigatório o uso de lentes corretivas.

D: Obrigatório o uso de veículo com transmissão automática.

Q: Obrigatório o uso de motocicleta com carro lateral ou triciclo.

S: Obrigatório o uso de motocicleta com automação de troca de marchas.

Para cada condutor, há especificações diferentes dentro da necessidade descrita na avaliação médica. Para começar o processo para a obtenção da CNH é preciso primeiro procurar uma autoescola que atenda pessoas com deficiência física. 

A empresária e bicampeã brasileira e paulista de Badminton, Cristiane Limeira Lourenço, de 41 anos, tem CNH tipo B (carro) há mais de 10 anos. “Eu e meu marido, que também tem nanismo, usamos o carro. Ele usa mais porque eu sempre tive receio de dirigir. Então, acabei deixando o carro pra lá”, conta Cristiane que mais tarde conheceu o triciclo. “Eu tive a oportunidade de experimentar um triciclo em um evento e me apaixonei. Foi quando fui atrás para tirar a CNH tipo A, para moto”. 

Cristiane Limeira foi incentivada por motociclistas mulheres (Foto: arquivo pessoal)

Cristiane conta que foi uma dificuldade encontrar autoescolas com o triciclo em São Paulo e achar um veículo em boas condições para fazer as aulas e a prova. “A moto acelerava de repente, estava bem velha e a empresa só tinha uma disponível para fazer todo o processo. Foi difícil além do comum. Mas eu consegui. Botei um sorriso no rosto, acreditei em mim e fiz”. Cristiane é, há dois meses, uma motociclista habilitada e, principalmente, feliz. A atleta tem acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo.

Na CNH de Cristiane, que hoje é tipo A e B, constam as letras no campo de observações: F, G, L e Q. Elas significam:

F: Obrigatório o uso de veículo com direção hidráulica

G: Obrigatório uso de veículo com embreagem manual ou com automação de embreagem ou com transmissão automática

L: Obrigatório o uso de veículos com prolongadores dos pedais e elevação do assoalho e ou almofadas fixas de compensação de altura ou profundidade

Q: Obrigatório o uso de motocicleta com carro lateral ou triciclo

“Ver mulheres nas motos me incentivou. E eu quero incentivar outras pessoas com nanismo também a perceberem que andar sozinha de carro, triciclo ou moto, é libertador. É autonomia, coragem, independência. É um sentimento difícil de descrever. Tem que sentir o quanto é prazeroso. É uma aventura muito segura. No trânsito ou na estrada, precisamos ter atenção. Mas é só ir com calma, apreciando o caminho e cada segundo de vida”, finaliza Cristiane.

Kamylla Rodrigues

Kamylla Rodrigues é formada em Jornalismo pela Faculdade Alves Faria (ALFA). Já trabalhou em redações como Diário da Manhã e O Hoje, em assessorias de imprensa, sendo uma delas do governador de Goiás, além de telejornais como Band e Record, onde exerce o cargo de repórter atualmente.
Comentários

Respostas de 2

  1. Sensacional!!! Importante é a inclusão, é às pessoas terem a liberdade de ir como e onde quiser, do jeito que quiser!!!👏👏👏👏 Este meu amigo Emerson é fera, é só alegria

  2. Achei muito interessante eu tenho muita vontade de tirar a carta A, tenho deficiência respiratória uso oxigênio 24 horas por dia e uso um concentrador de oxigênio portátil elétrico e cilindro de transporte.
    Para ter essa liberdade que só as motos podem dar!

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