Bullying e cyberbullying agora são crimes no Brasil

Foto: Marcelo Casal Jr. Agência Brasil

Sancionada pelo presidente Lula, a Lei nº 14.811 também tipifica crimes cometidos contra crianças e adolescentes como hediondos

O bullying e o cyberbullying (que acontece na internet) agora são considerados crime no Brasil com previsão de multa (no caso do primeiro) e pena de até quatro anos de prisão (no caso do segundo). A Lei nº 14.811, que adicionou os crimes no Código Penal Brasileiro, foi sancionada no último dia 15 de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é coibir práticas que envolvem intimidação, humilhação, discriminação, ou ações verbais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais a um indivíduo ou a um grupo, tanto no ambiente físico quanto virtual, classificando como crimes hediondos atos praticados contra crianças e adolescentes, como a pornografia infantil, incentivo à automutilação e suicídio. 

“As marcas do bullying podem ser irreversíveis e a impunidade gera uma sensação ao agressor de que ele não está fazendo nada demais. A lei é um passo importante, mas agora precisamos nos empenhar para que se cumpra”, completa a presidente do Instituto Nacional de Nanismo, Juliana Yamin.

Os dispositivos inseridos no Código Penal são os seguintes:

Intimidação sistemática (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais: 

Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Especialista em Direito Penal, a professora de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB) Carolina Costa destaca a importância e os desafios da aplicação da nova legislação. “É cada vez mais necessária essa articulação entre realidades do mundo físico e virtual porque crianças e adolescentes já são nativos digitais,” destaca. Sobre os perigos do ambiente virtual, a professora ressalta que este é um sistema de vulnerabilidade ainda maior, pois muitas vezes não é possível saber a identidade real das pessoas e o alcance da responsabilização é mais complexo. “Um grande desafio da aplicação da lei será a dimensão da responsabilidade dos autores, como é o caso de todos os crimes virtuais”, arremata.

O advogado Michel Capelari explica que a lei trouxe várias alterações, desde o aumento de pena no caso de homicídios praticados dentro de escolas, até a criação de novos crimes e a inclusão de alguns tipos de crimes cibernéticos na lista de crimes hediondos. “Especificamente com relação aos crimes de bullying e o ciberbullying, será considerado crime toda conduta que ocorrer, somente a partir do dia 12/01/24, em que o agente intimidar de modo intencional e repetitivo pessoa ou grupo, usando violência física ou psicológica que cause intimidação, humilhação ou discriminação. Ou seja, o ato de intimidação ou humilhação precisa (a) ser reiterado, (b) ter causado intimidação, humilhação ou discriminação e (c) tem que ser praticado mediante violência física ou psicológica. Este é o crime de bullyng”, completa. 

A diferença para o crime de ciberbullyng será o local da prática do crime, que deverá ser obrigatoriamente virtual: rede de computadores, rede social, aplicativos, jogos online, entre outros semelhantes. Enquanto que a pena do primeiro é de multa, do segundo já leva à reclusão, tendo como parâmetro mínimo e máximo de 2 a 4 anos, e multa. Ambos admitem que se reconheça a prática de crime mais grave. Por exemplo, caso a humilhação configure-se também como crime de injúria racial, será reconhecido este último, aplicando uma pena entre 2 e 5 anos, e multa.

Mas o que configura o crime e como agir?

O crime é complexo e exige vários elementos para se configurar: prática reiterada, utilização de violência física ou psicológica, a vítima ter se sentido humilhada. Por esse motivo a recomendação é que na primeira ocorrência já se faça o registro em uma Delegacia ou junto à ouvidoria e direção, caso tenha ocorrido dentro de uma instituição de ensino ou órgão público. “Caso volte a ocorrer, aí sim o registro deve ser feito em uma Delegacia, levando junto no momento do registro as provas de que a conduta é reiterada e já houve um primeiro registro administrativo”, explica o advogado.  

Ele pontua ainda que o ideal é que a vítima possa apontar testemunhas que presenciaram o fato e deixar bem claro como se sentiu com as ofensas (se sentiu humilhada, discriminada, se a ofensa foi em razão de sua deficiência, sexo, moral, religião, enfim), além de mencionar que não é a primeira vez que ocorre (provando por meio dos boletins de ocorrência ou da ouvidoria já aberta). Já se ocorrer em um ambiente virtual, recomenda-se que sejam feitos registros da tela, tentando preservar a data da postagem, link, compartilhamentos, visualizações e perfil de quem postou. Igualmente, a prova testemunhal (pessoas que viram a postagem) é bem relevante para demonstrar a ocorrência do crime.

Cyberbullying e a sensação de impunidade 

Bianca Prado é mãe da Luisa, que tem acondroplasia e recentemente passou por uma situação que ultrapassou inclusive o cyberbullying e se caracterizou como pedofilia, mas, desesperada, não soube como reagir. Luisa tem mais de 19 mil seguidores no Instagram e a mãe, Bianca, utiliza da rede social para compartilhar a rotina da filha, as problemáticas, preconceitos e mitos envolvendo o nanismo e também um conteúdo anticapacitista. Ela compartilhou um vídeo no qual a filha usava um maiô e brincava com um overboard, mas se assustou quando percebeu a quantidade de visualizações: mais de 500 mil visualizações em um vídeo de 7 segundos. 

“Pensei: nossa, quantos comentários. Para o meu susto e pânico, tinha vários comentários pedófilos do tipo: ‘pronta pra comer’, ‘anã gostosa’, fora os comentários me criticando por colocar algo daquele tipo na internet. Fiquei desesperada. Me deu uma crise de ansiedade terrível, diarréia… era por volta de meia noite e ali mesmo no banheiro eu apaguei tudo.  E comecei a apagar um monte de vídeos da Luísa. Eu iria desativar o insta, fiquei duas semanas sem postar nada e só consegui voltar com os stories. Foi desesperador  e eu nunca imaginei isso na minha vida. O bullying eu sempre soube contornar, mas dessa vez infelizmente eu travei e não consegui fazer nada. Não conseguia dormir e fiquei com ódio de mim mesma pensando que tinha proporcionado isso para mim mesma”, lamenta Bianca. 

“Quando se trata de crimes federais, a polícia já está mais equipada, mas nos crimes comuns, como é o caso, a investigação é mais difícil. Por isso a importância dos registros feitos pela própria vítima e, a depender da gravidade, a contratação de um perito particular para auxiliar nas investigações. Nem sempre a vítima tem condições de arcar com estes custos.

No entanto, creio que com a criação de novos crimes deve haver igualmente um aumento nos aparatos de investigação disponibilizados à polícia de forma natural, já que deve aumentar o número de demanda que justifique tal investimento. Até que isso não ocorra, infelizmente a vítima precisa auxiliar neste trabalho por meio de registros próprios.”, explica Michel Capelari. 

Pais podem ser responsabilizados 

Se os crimes forem cometidos por adolescentes, eles poderão responder como ato infracional. Porém, os pais podem responder de duas formas: civil e criminalmente. Na esfera cível, os pais podem ser demandados a reparar os danos causados e a ter que indenizar a vítima, ainda que o dano seja somente moral. Já na esfera criminal, os pais poderão responder por negligência, já que o crime se configura por sua reiteração. “Assim, caso o fato tenha ocorrido na escola e a vítima reportou o fato, a direção deveria chamar os pais e advertir sobre os fatos. Assim, caso o fato se repita, os pais poderão ser responsabilizados criminalmente também”, finaliza Capelari.

Catherine Moraes

Jornalista por formação e apaixonada pelo poder da escrita. Do tipo que acredita que a informação pode mudar o mundo, pra melhor!
Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja Mais

“Infarto por compressão pode levar à tetraplegia”, afirma neurologista

Professor de neurocirurgia da Unifesp e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica, Sérgio Cavalheiro foi um dos primeiros palestrantes do 7° Encontro do Instituto Nacional de Nanismo (INN) realizado em São Paulo, de 15 a 17 de novembro. Sergio falou sobre estenose espinhal, característica

“Infarto por compressão pode levar à tetraplegia”, afirma neurologista

Professor de neurocirurgia da Unifesp e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica, Sérgio Cavalheiro foi um dos primeiros palestrantes do 7° Encontro do Instituto Nacional de Nanismo (INN) realizado em São Paulo, de 15 a 17 de novembro. Sergio falou sobre estenose espinhal, característica