Itabaianinha, em Sergipe, concentra 25 vezes mais anões que a média nacional
Texto de El País por Raquel Seco
– Gostaria de ter crescido mais?
– Para quê?
– Não sei. Alguma vantagem?
Depois de pensar por alguns segundos, Maria Juvêncio de Melo, a Marinha, responde que ser alta pode ter lá suas vantagens.
– É bom ser grande, porque a gente chega a muitos lugares.
Não é uma reflexão existencial: refere-se às prateleiras altas, às mesas, às cadeiras.
Marinha senta-se no sofá da sala e seus pés balançam um pouco acima do chão.
Ela tem 65 anos e mede 1,20 metro. Sua casa fica em uma rua tranquila de Itabaianinha, uma cidade de 40.000 habitantes no interior de Sergipe.
Conhecida há gerações como “a cidade dos anões”, ali nasce uma quantidade incomum de moradores que não crescem acima de 1,45m. Nessa estatura, segundo os médicos, está a linha divisória entre o nanismo e o crescimento “normal”. Mas ser pequeno em Itabaianinha não é, afinal, tão estranho. Se no Brasil existe, em média, um anão para cada 10.000 habitantes, aqui são 25 vezes mais.
Não há um censo oficial, mas o número de moradores anões é estimado entre 70 e 100. Quem ficar tempo suficiente na praça principal verá passar o vendedor de tomates de menos de um metro e meio, um agricultor baixinho, aposentado, que todos os dias às 5h30 da manhã vai verificar o extrato do banco, ou Marinha, sempre de vestido e caminhando a passinhos curtos.
A acondroplasia, forma mais comum de nanismo (hereditária ou por mutação genética) produz troncos longos e extremidades anormalmente curtas. Muitos moradores de Itabaianinha têm corpos proporcionais, só que em escala menor. Sofrem outra rara alteração genética que afeta o receptor do hormônio do crescimento. É transmitida de pais para filhos, mas alguns portadores não a desenvolvem. A endogamia fez o fenômeno crescer exponencialmente: muitos anões, aparentados em maior ou menor medida, vêm de famílias de uma zona rural que costumava estar isolada, Carretéis.
Cheilane, a bisneta de Marinha, tem sete anos e a mesma altura da bisavó. A casa onde Marinha vive não é pequena, mas as duas encaixam perfeitamente, enquanto quem vem de fora tem a sensação de ser muito grande, muito brusco. Até a voz desafina, porque Marinha fala com o tom delicado e agudo da maioria dos anões. A cadeira de plástico parece ter sido feita para crianças e a pia é um pouco mais baixa que o normal. Mas os armários, a cama e a geladeira são do tamanho padrão e, para alcançar algumas coisas, Marinha precisa recorrer ao banquinho.
Os anões da cidade têm a mesma expectativa de vida dos demais moradores. Vivem cercados de mitos, como o de que a falta do hormônio de crescimento prolonga a vida. Há cinco anos, cientistas da universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, vieram fazer uma pesquisa em Itabaianinha e acabaram descartando a possibilidade de a mutação ser uma fonte de juventude. Os anões não sofrem problemas especiais de saúde, exceto por certa tendência a colesterol alto e obesidade.
Para Marinha, que trabalhou toda a vida colhendo laranjas e limões na roça, que continua se levantando às quatro da manhã para fazer arranjos de flores e bordar almofadas segundo as instruções do Canal Rural de televisão, a única coisa que prejudicou um pouco sua saúde foi um vestido. Alguns meses atrás, em uma festa folclórica, emprestaram a ela um traje tradicional de baiana. Era tão grande e pesado que a fez “passar mal”. Enjoada, descobriu que tinha um problema no coração. Por isso emagreceu até chegar aos 38 quilos de hoje, comendo frutas e verduras. Tem um filho na casa dos 30 anos, adotado, e se separou depois de 28 anos de casada. Não se queixa de sua vida amorosa. “As altas também são largadas”, ri.
Foto: El País/ Luisa Dörr
Basta uma volta pela cidade para encontrar um pequeno passando pela praça ou pelo mercado de Itabaianinha
Marinha era uma das duas “pequeninas” de cinco irmãos. O vocabulário de Itabaianinha tem várias palavras para designar os anões. José Francisco dos Santos Dodinha, de 91 anos, 1,20 metro de altura, vestindo uma camisa comprada em uma loja de roupas infantis, por exemplo, refere-se a si mesmo como “pequeno” ou “baixinho”. Sentado à porta de sua casa em uma cadeira de plástico, ao ritmo preguiçoso do interior calorento, diz que não tem nenhum problema com sua estatura: “Deus me fez assim”, acrescenta com sua voz muito aguda.
A palavra “anão” também não desperta complexos em Clécio e Cleidivan Tibúrcio de Jesus. Os dois irmãos (34 e 32 anos) chegaram a formar, há alguns anos, uma banda que carecia de estatura até no nome: chamavam-se Os Anões do Arrocha. Eram especializados em um gênero musical típico do Nordeste, de letras românticas, e versões simples de canções como Ai se eu te pego, sucesso do cantor Michel Teló.
Existe um programa governamental para injetar hormônio de crescimento em habitantes da cidade. Desde os anos 1990, os médicos, coordenados pelo doutor Manuel Hermínio Aguiar-Oliveira, trataram uma vintena de crianças com a mutação genética. O tratamento é gratuito e garante uma estatura normal, segundo o médico, mas alguns se recusam. “Quando alcançam 1,40 ou 1,50 de altura querem abandonar o tratamento. Não têm nenhuma vergonha de serem pequenos, aqui é algo comum. São ativos, trabalham, vivem bem”, explica Aguiar-Oliveira. Maria José dos Santos foi mãe de nove filhos e, na verdade, queria que Manuel e João, que desenvolveram a mutação genética, “ficassem assim”. “Eram tão bonitos”, suspira.
Ver a noite cair no bar de outros dois irmãos, Aderaldo e José Arauto Santana, é mais uma lição de normalidade. Itabaianinha não é mais alegre nem mais infeliz do que qualquer lugar do mundo. As perguntas insistentes sobre o assunto (“Mexiam com vocês? Gostariam de ter crescido mais?”) acabam soando estranhas por aqui, onde os dois se alternam para trabalhar (têm uma pousada na rua do lado) vendendo hambúrguer e cerveja e são populares. Aos domingos, jogam futebol em um time de anões. Na última partida, ganharam de seis a um contra um time de veteranos altos.
Não existem muitas referências para os anões. No cotidiano desta cidade interiorana, até Tyrion Lannister, um dos protagonistas da série Game of Thrones, é um ilustre desconhecido. Mas, em 2014, a cidade recebeu a visita do apresentador Geraldo Luiz, da Record, e de Marquinhos, um apresentador anão de muito sucesso na televisão brasileira. Marquinhos aparece em programas vespertinos de entretenimento fazendo coisas como passear ao lado de um homem de 2,35 altura. Em Itabaianinha, os anões tiraram fotos com ele. Os moradores não veem essa curiosidade como falta de respeito. O site da Prefeitura recorda com orgulho a visita da televisão: queriam “ver de perto os nossos anões, que vêm ganhando espaço na grande mídia e, assim, divulgam internacionalmente o nome de nossa querida cidade”.
Uma moradora ficou especialmente famosa. Maria das Piabas media 90 centímetros de altura, tão delicados que ao abraçá-la dava a sensação de que ia se quebrar. Morreu em agosto, aos 74 anos. Em abril não era fácil chegar até ela porque, depois da entrevista com o supermidiático Geraldo Luiz, ela era assediada por jornalistas e curiosos que queriam conhecer “a menor mulher do Nordeste”. Trancava-se em sua casinha no campo com seus três irmãos, e era preciso convencê-la a prender o cachorro para deixar as pessoas entrarem.
A vida é dura no campo no Nordeste. Desde pequenas as três irmãs saem para o trabalho ao amanhecer e o único irmão homem, doente, está imóvel em uma cadeira e só diz frases ininteligíveis, e ri. Naquele dia elas voltaram da roça com lenços brancos na cabeça. Posaram, sorriram e aguentaram as perguntas com toda a paciência. Maria repetiu: “Não queria ser mais alta. Se Deus me fez assim…”. E, ao ouvir a dúvida eterna dos forasteiros, que não entendem o sotaque, que não conseguem compreender essa coisa de altura e felicidade, as irmãs riem muito, se acabam de rir, e atropelam as respostas com gargalhadas.
Foto: El País/ Luisa Dörr
Três irmãs trabalham na área rural da “cidade dos Anões”